MODERNISMO & REGIONALISMO e o surgimento da literatura santanense

José Malta Fontes Neto

Acabo de ler MODERNISMO & REGIONALISMO de autoria do santanense TADEU ROCHA, obra que já tinha em meu acervo há um bom tempo, inclusive nas versões originais, de 1964, e na que termino, editada em 2014 pela EDUFAL.

É de bom alvitre que todos os estudantes de Letras ou santanenses interessados por literatura façam a leitura desse livro, não só pelo aspecto histórico, mas pela beleza do escrito desse jornalista e escritor tão pouco conhecido pelas novas gerações.

Como jornalista, o autor dividiu a obra no formato de crônicas, separadas por 22 capítulos, mas sem perder o roteiro sincrônico dos acontecimentos que envolveram as mudanças dos paradigmas da literatura em Alagoas e Pernambuco a partir da década de 1920, com o que se chamou Movimentos Regionalistas.

Não vou aqui discorrer sobre os dados biográficos do autor, mas cito em poucas linhas algo, para que o leitor dos dias hodiernos possa se situar neste artigo. Tadeu Rocha, jornalista, escritor, filho do Coronel Manoel Rodrigues da Rocha e de D. Maria Isabel Gonçalves (Sinhá Rodrigues). Nasceu em 1916 e viveu sua infância em Santana do Ipanema, depois passou a morar na cidade que ele denomina no livro como metrópole, atual Veneza Brasileira, ou simplesmente Recife, capital do Estado de Pernambuco.

Em MODERNISMO E REGIONALISMO observamos em várias passagens que o autor faz referência à sua terra natal, notadamente nos aspectos intelectuais, objetivo da obra, logo nas páginas iniciais.

”[…]Recordo-me perfeitamente como tomei conhecimento da nova poesia de Jorge de Lima, através de Essa Nega Fulô e Banguê. Foi na loja da Viúva Manoel Rodrigues da Rocha, nos fins de minhas férias de colegial recifense, depois do carnaval de 1928 […] Na mesma semana, as pessoas “sabidas” lá de Santana do Ipanema – o juiz de Direito Dr. Acioli, o promotor público Dr. Arquimedes, o professor Pedro Bulhões, o negociante Fernando Nepomuceno, o farmacêutico “doutor” Carôla, o “engenheiro” Joaquim Ferreira, o “advogado” Joel Marques, o “astrônomo” Sinhô Morais (porque conhecia a direção das chuvas) e o dentista prático “doutor” Perdigão, que vivia aboletado, de cama, mesa e consultório, na casa do vigário – comentavam desfavoravelmente a traição do “príncipe dos poetas alagoanos”. (ROCHA, 2014 p.32 e p.33).”

Esta citação, como introito deste trabalho, já abre com chave de ouro a análise do tema que o santanense/recifense faz com esmero. Durante todo o livro, o príncipe dos poetas de Alagoas, Jorge de Lima, é citado como precursor das mudanças literárias em nosso estado, com suas reinações poéticas, modificando o pensamento do parnaso, em busca de uma poesia moderna, sem os ditames do formalismo, levando aos acadêmicos da época a alcunha de “Menino Impossível”. O movimento regionalismo tradicionalista foi iniciado pelo sociólogo Gilberto Freyre, em 22 de abril de 1923, e teve como ressonante em Alagoas exatamente Jorge de Lima. Ao longo do artigo, citaremos outros autores que se afeiçoaram ao movimento.

O Movimento Regionalista, tido como revolucionário literário, em consonância com os princípios linguísticos, defendidos por Ferdinand de Saussure (26/11/1857 – 22//02/1913), iniciara a referência à liberdade gramatical e, no capítulo “Ordem Gramatical”, Tadeu Rocha volta à sua terra natal.

Lá no Instituto Santo Tomás de Aquino, em Santana do Ipanema, o professor Pedro Bulhões não deixava os alunos transgredirem os preceitos da Gramática portuguesa elementar, de João Ribeiro, e um dos diretores do Colégio, o juiz de Direito da Comarca, bacharel Manoel Xavier Accioly, não admitia cacófatos nem dispensava as consultas ao dicionário Jaime de Seguier[…] Pelo menos em Santana, o povo continuava vivendo mesmo um tempo ultrapassado. Os homens “sabidos”, isto é, lidos ou viajados, discutiam nas esquinas ventiladas, nas farmácias e nas barbearias, as duras regras da gramática, mesmo quando o bando de Lampião ameaçava a cidade. Os telegramas do juiz de Direito ao governador Costa Rêgo eram redigidos em linguagem sintética, mas castiça, e não reproduziam a “chapa” do coronel Juca Ribeiro, de Mata Grande: “Lampião direção Santana”. (ROCHA, 2014 p.36).”

Nesse ponto reflexivo, Tadeu Rocha já imaginara que o Movimento Regionalista começara empiricamente em todos os lugares, onde seres pensantes ou talvez não pensantes discordam da forma rígida da literatura. Ainda nas questões de ordem gramatical, se inclui no noviço à época, Breno Accioly. “Somente uma pessoa, em toda a população urbana e suburbana, fugia impunemente às contingências de tempo e espaço, reinantes na localidade sertaneja: o jovem louco Agissé Feitosa, que alguns anos depois o escritor Breno Accioly meteu na pele de João Urso. Sem preocupações gramaticais, Agissé ampliava o folclore municipal, comentando a vida alheia ou apelidando os heróis parentes, amigos ou inimigos. (ROCHA, 2014 p.36).”

Seguindo a análise da obra, vamos encontrar que o Movimento Regionalista fundado por Gilberto Freire encontrou em Alagoas o celeiro para as manifestações literárias. Uma revista foi fundada, tendo como personalidades reunidas e colaboradores: Jorge de Lima, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Manoel Lambo, Willy Lewin, Aloísio Branco, Carlos Paurílio, Raul Lima, Aurélio Buarque de Holanda, Abelardo Duarte, Barreto Falcão, Álvaro Lins, Carlos Duarte e Arnóbio Graça.

Essa plêiade de intelectuais deve ter escrito e incomodado muita gente, e, paralelo a isso, um acontecimento causou algo que fez com que o grande idealista do movimento em Alagoas saísse da Terra dos Marechais.

“Na tarde da primeira segunda-feira de setembro de 1931, no centro da cidade, por motivos estranhos à literatura, Jorge de Lima foi injustamente agredido por um bacharel armado de revólver. Dado que o poeta sempre teve o “corpo fechado”, as balas não o atingiram e o herói ainda apanhou, calmamente, uma cápsula deflagrada. […]O estampido das balas deflagradas contra Jorge de Lima encerrou a fase destrutiva do regionalismo tradicionalista na Província de Alagoas e abriu o seu período de construção, que tanto repercutiu nas letras brasileiras […] (ROCHA, 2014 p.66 e p.67).”

O jornalista Tadeu Rocha conseguiu fazer um panorama dos primórdios da nossa literatura, elencando fatos pitorescos, desconhecidos do público. Com maestria, descreveu como surgiu a primeira obra de Graciliano Ramos, romance nascido no término da fase revolucionária do Movimento Regionalista, quando passou de destrutiva para construtiva. No fragmento a seguir, ele mostra a versatilidade do ex-prefeito de Palmeira dos Índios. Vejam que o santanense, em vários trechos, coloca os aspectos pitorescos do nosso sertão, especialmente da nossa Santana do Ipanema.

“Graciliano Ramos retratava, nos seus livros, a terra e o homem do agreste e do sertão da nossa região geográfica. O cenário de Caetés é a cidade de Palmeira dos Índios, antes que lá chegassem os trilhos da Great Western e se multiplicassem os caminhões que hoje levam do Recife e de Maceió a civilização e as doenças, o progresso e a miséria. O escritor inspirou-se na vida municipal do sertão alagoano, a fim de criar as suas personagens. Por isso mesmo é que o padre Atanásio tanto representa o vigário Francisco Macedo, de Palmeira dos Índios, como o vigário José Bulhões, de Santana do Ipanema. Os políticos de Caetés são os mesmos de Palmeira, Pão de Açúcar ou Água Branca. João Valério era guarda-livros da firma Teixeira & Irmão, como poderia sê-lo de Tertuliano Nepomuceno, em Santana, ou de Antônio Rodrigues, em Mata Grande. (ROCHA, 2014 p.79 e p.80).”

A nossa viagem debruçada nos vagões do tempo, analisando a obra do eminente jornalista Tadeu Rocha, imbrica nas veredas de uma nova fase do tema, ou seja: com os acontecimentos retratados aqui, chega ao fim a primeira fase do Movimento Regionalista e entra a segunda fase que o autor inicia com o capítulo A ENTRESSAFRA LITERÁRIA. E mais uma vez a nossa Santana do Ipanema é citada.

“Tentando estudar a expansão do regionalismo tradicionalista nas terras alagoanas, julgo-me dispensado de referir nomes de autores e títulos de livros que não se relacionaram com esse movimento cultural, se bem que editados em Maceió entre o falecimento prematuro de Aloísio Branco, nos começos de 1937. […] Essas estradas são velhos caminhos provincianos, ora chegados a espinho, ora ladrilhados de pedrinhas de brilhante, mas em todo o seu percurso inacessíveis a um pobre sertanejo de Santana do Ipanema, desprovido de manuais de métrica e dicionário de rimas. Alguém que se dê ao trabalho de escrever a história da literatura alagoana, nessa metade do século XX há de recensear muitas obras no neoparnasianismo em nossa terra, posteriores à revolução literária dos meados de 1927.
De qualquer forma, nos onze anos decorridos entre o fim do regionalismo tradicionalista e o início do segundo movimento regionalista do Nordeste, “antigos” e “novos” continuaram trabalhando em Maceió, Viçosa, Palmeira dos Índios, São Miguel dos Campos ou Santana do Ipanema, cada qual na sua seara.” (ROCHA, 2014 p.89).”


É nesse ponto dessa obra que vai surgir a literatura santanense e nos trechos a seguir vamos detalhar o porquê da nova forma de pensar, assim como o ingresso de dois grandes nomes da literatura nacional, surgidos das terras Alagoanas, um em Santana do Ipanema e o outro em Maceió, ambos ligados pelo novo viés literário.

“As velhas formas literárias persistiam nos eruditos sermões do padre Júlio de Albuquerque na Matriz de São Miguel dos Campos e nos inflamados improvisos do jurista Guedes de Miranda nas praças de Maceió, ao mesmo tempo em que o contista Breno Accioly e o poeta Lêdo Ivo ingressavam nas letras da Província, sob o signo do espírito novo do primeiro regionalismo nordestino. Não posso concordar com um cronista alagoano quando afirmava que a esse tempo o professor Guedes de Miranda era o último grego exilado na Província, mas posso garantir que Breno Accioly e Lêdo Ivo foram as mais destacadas figuras da entressafra regionalista na terra das Alagoas em que cedo alcançaram nome em toda a nossa região literária, com o seu lançamento nos jornais do Recife, para mais tarde conseguir projeção nacional pela publicação de livros na Metrópole, onde se fixaram definitivamente. (ROCHA, 2014 p.90)”

Esta citação mostra a entrada do contista Breno Accioly junto com o poeta Lêdo Ivo nos primórdios da nossa literatura. Na sequência da obra, Tadeu Rocha faz um retrato de seu primo Breno Accioly, com o título de ROTEIRO DO CONDADO DE GREEN. É um relato deveras detalhista, estilo peculiar de Tadeu, o que leva o leitor a conhecer e, talvez, se interessar pelo tema.

Santana do Ipanema teve um papel importante na construção dos dois primeiros livros de Breno Accioly.

“Em nenhum dos modernos contistas brasileiros a própria infância refletiu-se tão fortemente na sua obra de ficção como em Breno Accioly. Os nove primeiros anos de sua vida, passados em Santana do Ipanema, impregnaram de tal maneira a sua memória que mais de metade dos seus contos enfeixados nos livros João Urso e Cogumelos possuem cenários sertanejos ou personagens de nomes bem conhecidos em sua cidade natal. […] A vocação de Breno Accioly para retratar estados psíquicos entre a loucura e a sanidade pode ser compreendida por qualquer pessoa que se transporte a Santana do Ipanema e ali conheça algumas personagens e muitos cenários dos seus contos. (ROCHA, 2014 p.93)”

Já citamos anteriormente que Tadeu Rocha é detalhista e nesse capítulo ele descreve em minúcias um prédio que ainda hoje existe em Santana do Ipanema, que está passando por uma grande reforma por causa do progresso e que, do cenário descrito, apenas a sala de entrada vai restar. Desse sobrado, como é tratado no livro, só essa descrição e a nossa imagem mental é que vai ficar, pois fui colaborador da Rádio Santana FM, hoje Milênio FM, uma vez que seus estúdios eram nesse prédio, nos primeiros anos da década de 90.

Pois bem, esse sobrado influenciou sobremaneira os primeiros escritos de Breno Accioly. Rocha, (2014 p.95) diz: “Foi entre as paredes desse sobrado que Breno Accioly viveu os seus primeiros sete anos, num ambiente de misticismo religioso, transações comerciais e formalismo jurídico”. Porém, na praça fronteira, ele completou sua experiência de menino, entrando em contato com a cidade: no outro lado da praça, ficava a Matriz da Paróquia, dirigida pelo seu padrinho, o vigário José Bulhões, que veio a falecer no dia 17 de outubro de 1952.”

Breno Accioly retratava os cenários que vivia de forma muito forte, ou seja, a ficção numa época em que a tecnologia não existia, a imaginação era o ponto chave nesse aspecto literário. Quem desejar conhecer de forma sintética o estilo desse contista, esse artigo do jornalista Tadeu Rocha é uma referência. A título de informação, Breno Accioly lançou seu primeiro livro – JOÃO URSO – em 1944.

Já encaminhando para a fase final, e voltando um pouco às origens dessa viagem que foi o surgimento do Modernismo e Regionalismo, título da obra estudada, e que teve como enfoque o poeta Jorge de Lima e outros contemporâneos dos primeiros anos do século XX, vejamos o que o jornalista Tadeu Rocha fala sobre a poesia à luz desse novo momento vivido naquela época.

“É certo que o poeta carrega, desde o berço, a capacidade de transmitir aos outros as percepções que alguns homens somente podem sentir e que os outros nem descobrem nas pessoas e nas coisas. Mas a sua vocação ficará frustrada se o meio social que o cerca não lhe permitir formar uma cultura literária, adquirir uma técnica de composição e dispor de condições materiais e espirituais capazes de favorecer-lhe ócios para o exercício da poesia.
A arte poética exige aprendizagem, para que as palavras se ajustem aos sentimentos. A natureza produz o aprendiz de poesia, que será ou não, com o tempo, oficial e mestre-poeta. (ROCHA, 2014 p.131)”


Chegando agora ao final deste artigo, e levando em conta que a finalização deste trabalho se deu no mês de agosto, quando é comemorado o folclore, no livro Modernismo e Regionalismo, o autor finaliza a obra com um texto sobre o folclore, com o viés filosófico/literário, evolvendo os aspectos culturais folclóricos envolvidos com a poesia e a prosa.

O nosso escritor Bartolomeu Barros, em seus livros, destaca o fim de algumas manifestações folclóricas em nosso município, como o Reisado, e em nossa leitura, algo interessante chamou nossa atenção, ressaltamos que esse livro foi escrito em 1963.

“Nos municípios do interior, as próprias autoridades encarregavam-se de proibir certas manifestações folclóricas, como as sentinelas aos defuntos nas pontas de ruas, os reisados e os quilombos. Lá em Santana do Ipanema, um delegado de polícia, bacharel pela Faculdade de Direito do Recife, perseguiu duramente os reisados e mandou espancar os Mateus, Doutores, Jaraguás e outras personagens. E um delegado regional, também formado em Ciências Jurídicas e Sociais, acabou com as sentinelas da cidade, com os seus benditos e as suas excelências, porque perturbavam o sono dos homens de bens. (ROCHA 2014, p.143)”.

Esse fragmento sobre o folclore foi apenas para destacar a citação do autor sobre sua lembrança para com os fartos de sua terra natal.

Queremos destacar também o cuidado que o jornalista Tadeu Rocha teve ao anexar fotos, histórias e documentos que corroboram com as suas afirmativas nesse livro, principalmente cartas entre autores do Movimento Regionalista.

José Malta Fontes Neto/Agosto de 2020

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