O HOMEM ENTRE AS ESTRELAS

Djalma Carvalho

Lá pelo final da década de 1960, por aí, Rangel apareceu em Santana do Ipanema, dizendo-se procedente do Recife, onde possuía família com sobrenome importante. Era viajante do ramo de tecidos que fazia a praça do sertão alagoano e escolhera a cidade como sede dos seus negócios. Na verdade, caixeiro-viajante de marca de passado distante, envolvente, tipo certamente em extinção.
Como hóspede do hotel de D. Beatriz, o viajante largava-se pelo sertão, mas retornava à cidade onde passava a semana inteira tomando cachaça, acompanhado de amigos.
Nunca tinha visto sujeito mais espirituoso que Rangel. Cheio de piadas de estalo e possuidor de inesgotável repertório de anedotas engraçadas.
Como todo cachaceiro, logo fez amigos na cidade. Uma roda impressionante de amigos. Mais por suas máximas, que propriamente pelo vício de aguardente.
Comunicativo, tinha muita facilidade de fazer amizade à primeira vista. Anotava na memória, de imediato, o nome do apresentado. E nunca mais esquecia o seu nome.
Apresentava-se da seguinte maneira, sublinhando a frase e arrastando as palavras, com voz de barítono:
– Sou Rogoberto Rangel do Rego Filho! O homem que vive entre as estrelas e a humanidade diz que é poeta! Mas, na verdade, o que ele sente é amoo....o....o.....r!
Por essa época, tenente Guedes era delegado de recrutamento militar em Santana do Ipanema. Moreno, quase preto. Vestia-se impecavelmente. Possuía, na cabeça, um dicionário de palavras estrambóticas. De ótima dicção. Verbo fluente. Vernáculo escorreito. Peito esbelto e passo firme, marcante. Era dado ao vício etílico, como acentuava. E, sob efeito de violentos pileques, partia para o terreno do palavrão. Desbocado e cheio de cacoetes. Contudo, no cômputo geral, boa praça.
Um dia, achava-se Rangel aboletado ao balcão do bar então existente no interior do Tênis Clube Santanense, com amigos, tomando cachaça.
De passo firme, pisando forte, tenente Guedes atravessa os salões do clube em direção ao bar.
Todo o mundo já podia adivinhar o que ele iria fazer ali, naquele domingo. Qual o seu destino àquela hora.
Rangel, ao avistá-lo, perguntou baixinho aos amigos de quem se tratava, sendo logo informado.
Tenente Guedes aproximou-se e cumprimentou a todos, cavalheirescamente, como de costume.
Antes, porém, da costumeira e formal apresentação, Rangel apressou-se em oferecer-lhe um copo de bebida, que foi gentilmente recusado por tenente Guedes, sob alegação de que não bebia. Indisposição. E coisa e tal.
Risos dos presentes.
Mas Rangel não se convenceu das ponderações feitas sem muita firmeza. E insistiu:
– Toma, bebe logo! Pinto que come m... a gente conhece pelo bico.
Horas depois estavam abraçados e se fizeram bons amigos.

Maceió, julho de 2020.

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