Dando continuidade ao cansativo – mas empolgante – trabalho de revisão de textos destinado à segunda edição do meu livro Festas de Santana, extraí do capítulo “Tal Qual, Meu Senhor” os seguintes recortes para a conversa de hoje.
Acha-se em outro capítulo do livro o nome de uma porção de doidos que aparecia em Santana do Ipanema, cidade que sempre teve atração enorme por tudo o que era de desmiolado. Nele, andei citando nome dos mais engraçados e populares, de cujas manias o santanense jamais se esquecerá.
Como cidade interiorana, quase que diariamente não lhe faltava doido. Malucos que nem atormentavam a gente do lugar, é bem verdade, mas serviam de ocupação e gracejo à meninada desocupada. Santana do Ipanema não deveria ser uma exceção à regra. Claro que a cidade tinha seu doido de estimação. Também tinha seu mentiroso, o conversador, o poeta, o seresteiro, o cachaceiro, e tudo o mais.
O personagem da crônica de hoje chamava-se Pedro Jitaí, como era assim conhecido nas redondezas de Maravilha, sua cidade de nascimento e onde morava. Durante o dia, de bodega em bodega, de bar em bar. E, nas esquinas, fazendo graça para todo o mundo.
Há muito tempo não dormia. Aos primeiros sinais do crepúsculo vespertino, corria para seu chalé. Ali, de foguinho aceso a noite inteira, alimentado por garranchos. Ou de candeeiro alumiando sua pessoa, escuridão adentro.
Longas noites sem dormir, de olhos arregalados, ouvindo o cantar do galo e o gorjear dos passarinhos aos primeiros sinais do alvorecer, ao nascer das madrugadas sertanejas. Embora de juízo avariado, Pedro Jitaí ainda era capaz de extasiar-se com o belo espetáculo do romper da aurora.
A uma pergunta, respondia de chofre, como se já tivesse decorada a resposta.
– Por que não dorme?
– Não sou preguiçoso.
Conhecia toda a gente de Maravilha. Como se disse, passava o dia inteiro na cidade. Em horas de “folga”, dava um pulinho até a vizinha cidade de Ouro Branco, antiga Chicão; outro, até Poço das Trincheiras, também pertinho dali.
Em dia de feira, então, estava em Santana do Ipanema, visitando os donos dos armazéns de cereais, no centro da cidade. De vez em quando, achegava-se ao senhor Pedro Melo, antigo comerciante de cereais, para pedir-lhe dinheiro. O comerciante perguntava-lhe:
– Pedro, você é doido?
– Tal qual, meu senhor...
Vivo e inteligente, a tudo tinha resposta na ponta da língua. Parecia não ter nada de doido, motivo de espanto do expectador, mas era desmiolado mesmo.
No fim da feira, sábado, quando não conseguia, logo cedo, transporte para Maravilha, deslocava-se para a saída da cidade em busca de carona.
Num dia desses, Leuzínger Barbosa Marques, seu conterrâneo e comerciante de cereais em Santana do Ipanema e em Maravilha, dirigia-se para sua cidade, depois de um dia estafante, de muito trabalho.
À saída da cidade, estava Pedro Jitaí aguardando transporte para Maravilha. Ao avistar o carro de Leuzínger, levantou o braço, pedindo-lhe que parasse. Perguntou:
– Vai pra onde?
Leuzínger, ainda meio estafado, olhou para um lado e para outro, teve vontade de xingar o doido, mas conteve-se:
– Vou pra Lua! E daí?!
– Passa em Maravilha?
Sem resposta, concedeu-lhe a carona.
Maceió, junho de 2020.
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