COISAS DA SECA

Antonio Machado

Antonio Machado
O sol caiu no poente vermelho como uma bola de fogo, o calor que evolava da terra seca, prenunciava uma noite quente. O céu não tinha um pedaço de nuvem, foi assim o dia todo. Era uma noite de plenilúnio. A lua surgiu avermelhada por trás dos ouricurizeiros, que no clarão, suas palhas brilhavam dentro de um verde escuro muito bonito. Aos poucos, o clarão naquela noite foi espalhando sua luz sobre a terra seca, queimada pelo sol escaldante daqueles dias de tanto calor.
A água estava escassa tanto nos açudes quanto nas cacimbas de minação. O ano anterior tinha sido seco, não deixando quase nada de lavoura, o povo estava cheio de aperreio, porque além da falta de alimentos, a seca teimava em aumentar mais a situação de penúria do sertanejo. O que fazer diante de tantos problemas? Lá no céu a lua fazia sua jornada ao poente aspergindo seu luar prateado, indiferente a tudo e a todos, essa era sua missão como astro que só mostra sua grandeza, quando a noite se torna mais escura, porque o luar é seu, e quando vai embora engolida pelo poente, leva seu belo clarão.
A situação estava cada vez mais difícil para os sertanejos que previam, mas um ano de seca, porque nada de chuva quando já se estava terminando o mês de maio, e se sabe que, o inverno bom começa sempre em abril com as primeiras trovoadas, e sequer o dia de São José, choveu, que foi 19 de março onde o sertanejo deposita no chão a semente do milho, com sua fé no glorioso santo, para que no São João se tenha o milho maduro para se assar na fogueira, mas essas esperanças, tinham se diluído no tempo, com a seca que estava instalada de cama e mesa na casa do sertanejo, e sem prazo para ir embora.
Na beira da cacimba do Gameleiro, estava apinhada de gente com potes e latas, aguardando a vez para encher, mas tudo obedecia a ordem da minação e da chegada. O clarão da lua cheia fazia a festa, quando chegou o poeta Colly Flores, que vendo aquela alegria do povo sorrindo, fez de improviso esta décima poética arrancando aplausos dos presentes que pareciam esquecer as agruras da seca: “o tempo estava abafado / e o calor matando sem pena, / numa seca da gota serena / deixando o cabra molhado, / com o corpo todo ligado, / sem água para se banhar, / a cacimba vai secar / e o açude já secou / a catingueira não enfolhou / tá difícil até para cagar”, o povo todo caiu na gargalhada pois o poeta era conhecido em todos àqueles arrabaldes, trabalhador da roça, mas era pessoa de estima dos seus vizinhos e amigos. Vez por outra cantava um pagode na casa de Lucila no sítio Pedrão Velho, o mesmo na casa de Semeão da Pedra da Viola, e quando isto lhe ocorria, sobrava-lhe uns trocados a mais que dava para fazer uma feira magra. Estes relatos são apanhados vividos e vivenciados pelo povo da região, que mesmo com as dificuldades da vida, sente-se encorajado para a luta no dia a dia.

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