"Assange e Gentili: por que não devemos comemorar prisões?"

Adriano Nunes

Não me vou aprofundar nestas duas questões que, aqui, exponho. São bastante complexas, e quaisquer tentativas de interpretá-las racionalmente, tendendo por um dos lados, parece-me mesmo uma posição frágil e, até certo ponto, perigosa, pois os princípios que entram em conflito são deveras importantes e têm peso praticamente iguais. Ambas questões tratam de liberdades e limites a estas liberdades. Um dos limites é aquele que kantianamente se refere ao respeito da liberdade do outro para que possa haver respeito à humanidade. O outro limite parece ser o da crítica. Até que ponto a crítica não se confunde com agressão, com alguma forma de violência?

Li, nas mídias sociais, que muitas pessoas estão comemorando a condenação do Danilo Gentili bem como comemorando a prisão do Julian Assange. De um lado, parte da esquerda comemorando a derrocada jurídica do comediante. Do outro, parte da direita comemorando a prisão do criador da Wikileaks. Como assim? Por que os antípodas comemoram prisões, ainda que distintas? As ideologias os fazem cegar, impedindo, de certo modo, que os fatos possam ser vistos com clareza e prudência. Primeiro, como kantiano (e preciso deixar explícita a minha perspectiva para que dentro dela desenvolva, sob os ditames da razão, os meus argumentos!) não compactuo com nenhum dos dois lados!

A condenação de Gentili parece nos indicar que há um limite entre liberdade de expressão e injúria. Um limite que nos diz abertamente que poderemos sim nos expressar como quisermos, mas não podemos nos esquivar das consequências jurídicas caso seja ultrapassado algum limite considerado legitimamente cogente pelas leis vigentes. Na interpretação da juíza, o comediante ultrapassou e, por isso, mereceu ser condenado. Que outro lado podemos pôr em evidência? Será possível haver outro? Não teria ele mesmo ido além e de forma agressiva perpassado o que a liberdade de expressão permite? Ou não?

Direito, até dada medida, como ensina brilhantemente Andreas Krell é argumentação. Neste sentido, os argumentos a favor da liberdade de expressão foram limitados pelo fato de que a sua liberdade não pode ser confundida e usada arbitrariamente contra as outras pessoas. Qual o outro lado da moeda? Alguns argumentam que condenar alguém por criticar políticos pode gerar precedentes para que estes sintam-se no pleno direito de não ser criticados e entrem com ações quando são alvos de críticas.

Kant já havia dito, numa nota de rodapé, em Kritik der reinen Vernunft, que tudo que se esquiva da crítica deve ser tomado como suspeito. E diz mais: fala que a POLÍTICA sempre quis se esquivar da crítica, por isso pesa sobre ela sérias suspeitas. O grande estorvo, a meu ver, é saber com exatidão racional se o que Gentili disse pode ser tomado como uma crítica, ainda que de modo grosseiro, ou uma ação desmedida sob a tutela da liberdade da expressão.

O alerta sobre a condenação é válido! Como afirma Norberto Bobbio, "antes uma liberdade do que uma proibição". Todas as vezes que limitamos os outros de dizerem o que pensam e sentem, estamos alimentando um grande Leviatã que, possivelmente, tentará nos engolir adiante. Assim, não vejo motivo algum para comemorar a condenação do comediante. Dizer isto não significa afirmar que a condenação foi injusta, justa, correta ou arbitrária! Significa, sim, ponderar sobre um preço alto que adiante todos nós poderemos pagar. Lembrem-se de que o Direito é dinâmico e os seus efeitos não são necessariamente ligados a questões de justiça! Estão mais intimamente ligados à ordem e ao controle social. Ou não se lembram de que a escravidão já fora legalizada? Ou não se lembram de que as ações nazistas eram legitimadas por leis alemãs?

Ainda que almejemos e sonhemos com a justiça, a humanidade - sem determinados limites! - parece tender para o bellum omnium contra omnes hobbesiano, para a barbárie. A condenação do Gentili pode até ter caráter educativo como pretendem ter todas as condenações, mas não deixa de ser preocupante.

Quanto à prisão de Assange, ela nos leva a pensar criticamente sobre questões de interesse e segurança nacionais bem como sobre questões de os cidadãos(ãs) terem direito a saber o que os Estados fazem, isto é, terem acesso aos documentos que dizem interesse ao destino de todos, por uma questão de um pilar democrático, qual seja: a publicidade e a publicização dos atos estatais. Mas não só: esta prisão nos leva a percorrer racionalmente questões políticas sérias, como aquela em que vidas humanas podem ser negociadas politicamente. Para retirar os direitos concedidos a Assange, o Equador alegou violação de regras impostas a um asilado, e regras criadas especificamente para ele, por ser um hacker. Entre outras justificativas, citou que ele tinha criticado o próprio Estado do Equador! Vejam que as autoridades estatais, os políticos, jamais querem se submeter à crítica!

Todavia, como já lhes disse, neste comércio político e jurídico, as questões envolvendo liberdades devem ser vistas e analisadas com muita cautela e sem paixões cegantes, sem ideologias partidárias. A única certeza de que lhes garanto aqui: quando se comemoram prisões, algo está errado, porque, sob uma perspectiva humanitária, ainda que legalmente e moralmente prisões sejam tidas como justas, elas nos escancaram veementemente o fato de que o processo civilizatório não está pleno, ainda flertamos intensamente com o horror e a barbárie.



Adriano Nunes

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