O ATOR CÉTICO

Contos

Por Marcello Ricardo Almeida

Os espelhos não têm olhos! disse Cético. Assim falava o espetáculo. Eles não têm olhos nem alma.
E o que era um planeta? perguntava-se. As geleiras, os oceanos, as ilhas, a água doce, os continentes, a terra e a Terra, a Lua, o Sol. Cético via-se perdido na imensidão do universo. Viver-se ou não se viver? Eis o conflito.
O dia na Feira do Passarinho em Maceió levantava-se com cheiro, textura e sabor de abacaxi; outro com cheiro, textura e sabor de mamão; ia o dia, voltava o dia com cheiro, textura e sabor de jaca mole; cheiro, textura e sabor de manga. A feira era este estranho teatro do povo.
Era estranho, completamente estranho! repetiu Cético no palco do teatro entre as conhecidas esquinas da Rua do Sol e da Livramento. C o m p l e t a m e n t e! enfático. E a única linguagem viva era a da estranheza, a das palavras na interpretação. Era o meio de comprovar que a breve existência no planeta não era senão algo fantástico que se desperdiçava.
Em Santana, O Liberdade de Expressão foi fechado. Ou, como publicava o povo, o jornal do Cel. Dr. Cicrano foi devorado pelo jornal do Cel. Bé do Algodão.
O Diário de Santana, jornal do Cel. Bé do Algodão, crescia em circulação e aumentava o número de assinantes. O jornalista Lítotes, editor do jornal do Cel. Bé do Algodão, escreveu que O Liberdade de Expressão expressava tão-só a liberdade do proprietário.
Cético estava só no Teatro do Povo. No palco, ele disse:
O teatro, este labirinto de microcósmicos, este tabuleiro pelo qual se entra porque se deseja compreender a natureza humana. Por que a vida das pessoas é inteira, outras rotas? As peças de teatro desdenhavam as buscas.
Os caracteres eram observados da plateia na qual Cético se quedava com a vassoura parada.
Vai trabalhar, Cético! tirava-o Vicissitude dos devaneios.
Cético era permeado pelo incesto e a culpa, que lhe vinham do lado norte, e o ciúme e a procura do pai, que lhe chegavam do lado sul. Tudo em volta era perverso.
Quando Cético começou no Teatro do Povo era tão-só outro faz-tudo. As direções dos espetáculos ficavam a cargo de Vicissitude.
O primeiro espetáculo no qual ele atuou foi a clássica peça As consoantes do magistério. Toda a cidade de Maceió conhece o refrão que sintetiza o enredo As consoantes do magistério escrita pelas dramaturgas Bravata e Inverdade:
Dona Lalá 
Quer Lelé.
Dona Lili &
Loló ficam
Com Lulu.
Cético aprendia rápido a arte de interpretar. Observava o povo, via jeito e gesto, levava-os consigo, distribuía-os aos personagens. O dia todo na Feira do Passarinho, a noite no Teatro do Povo.
Antes de ser atraído ao teatro na esquina da Rua do Sol e da Livramento, onde levava e trazia, varria, lavava, consertava, dava recado, guardava, montava e desmontava, Cético perambulou no velho cais. Lá, aprendeu a comunicar-se com navios alemães, ingleses, italianos, franceses, romenos, espanhóis.
O vento que soprava à tarde em Maceió era mítico. Falava onde passava. Comunicava-se com as folhas, com as pedras, com os galhos, com as árvores, com as janelas, com as portas, com as casas, com as repartições públicas, com as praças, com os desocupados, com os loucos nos hospícios, com as ruas, com as praias, com as palmas. De repente, ele parava. Tudo parecia vazio. Como se o mundo parasse, o oceano parasse, as lagoas parassem, parassem as aves no céu, e no chão as galinhas e os galos cujas penas tinham ganhado vida perdiam rapidamente o movimento. Cansado, o vento sentava-se. Admirava Maceió do Farol. E procurava o maior mirante. Via toda a terra lagunar. Súbito, recomeçava. Atravessava a cidade, atravessava as pessoas, atravessava a tarde, adentrava à noite.
À noite, concluído o trabalho na banca de Cleobulina, que estava mais em Cruz das Almas e menos na feira, Cético apressava-se ao Teatro do Povo. A sua sombra nas calçadas se alongava, encurtava, sumia e outra vez crescia e outra vez encolhia. À porta do Teatro do Povo, Cético chegou envolvido no nome da peça que apresentou no ano passado.
Seguido por personagens interpretados, Cético ia no corredor sombrio até o palco. Ouvia as vozes de todas as personagens em sua volta. Como se vivas estivessem à sua volta.
A tarde em que Cético viu Cleobulina nua sobre uma bacia, o braço erguido, a mão que segurava uma cuia com água, o líquido que lhe escorria na geografia do corpo, a imagem jamais seria esquecida. Mais tarde, ao chegar a Paris, ele pintaria as perspectivas do corpo nu de Cleobulina na bacia d'água.
Corrupto e corrompido, Cético chegou ao mundo. Mantinha espírito rural. Sonhava atravessar o Atlântico, tornar-se cosmopolita. O seu interior era seco. Veio à vida de chofre, crivado de culpas.
A perversidade em cada canto. O mentiroso é principalmente um enganador disfarçado em mensageiro da mais pura verdade. Usa o engano como ferramenta de seu ardil, disse Cético no palco do Teatro do Povo. Mente tão completa e descaradamente que chega a ser verdade a mentira que usa livremente.
Incauto dizia-se amigo de Cético. Quem apresentou as dramaturgas ao ator amador Cético foi Incauto. Bravata era filha de cafeeiros, Inverdade era filha de caudilhos.
As inseparáveis Inverdade e Bravata chegaram a Maceió depois da última viagem ao mundo conhecido. Conviveram com dramaturgos, escritores e poetas, e voltaram à América do Sul no mesmo navio com Anita, festejada nos jornais.
As dramaturgas entendiam o teatro de diferentes perspectivas, difíceis de serem enxergadas pela província. Elas escreviam com o método Prisma.
Cético encontrava no Prisma defeitos, e Incauto via no método a saída ao teatro alagoano. Maceió fantasiava.
Prisma consiste na geométrica do teatro poliedro circunscrito a polígonos e paralelogramos. E nisto atores, textos dramatúrgicos e personagens no teatro se transformam em um jogo de sentir, de ver, de compreender, de perspectivar, de pensar, de iluminar, de divertir-se e divertir o público. 
Na porta do Teatro do Povo está escrito que o mal por si se destrói. Assim falava Incauto em defesa às dramaturgas das quais se dizia íntimo:
I love you!
Incauto era um dos conhecidos sobrinhos do Conde Passapano. Ardoroso defensor do pensamento infantil, Incauto não saía do teatro. Segundo dizia, tanto faz chuva ou calor, tanto faz luz ou treva, silêncio, barulho, ignorância ou ciência. Bastava ter coragem, assegurou, e voava que nem fez o brasileiro ao contornar a Torre Eiffel. 
Talvez por ser da família do Conde Passapano, Incauto fazia vida pública privada, fazia delas uma só. Com sorte, eu morrerei amanhã! dizia Incauto todas as noites ao faxineiro do teatro.
Ninguém sabia como Incauto ganhava a simpatia de todos. Vicissitude o aceitou no grupo de amadores de teatro por ser antirrepublicana.
Incauto gostava de falar mal dos outros! disse Cético. Mas Vicissitude não levou a sério o comentário dele porque sabia que Cético era tão antirrepublicano quanto ela.
Como Incauto engravidou Bravata? quis saber. Quem ama, pois, Incauto é Inverdade.
Foi mexer em vespeiro, disse Cético, levou nos bagos. 
Bravata terá esse filho de Incauto?
Incauto abusava de chantagem com o propósito de obter vantagens.
O Príncipe não era capaz disso!
Não?
Nem se quisesse alcançar os fins.
Falava que o amor, apesar de enredo necessário, tropeçava nas tragédias das colonizações! disse Vicissitude. Sobre a gravidez indesejada, Bravata disse: Se resolver, resolveu. Se não resolver é porque não tem solução; porém a vida vai continuar com a marca. Mas isso vai depender. Se quer apenas uma memória ou se quer apenas uma marca profunda. Descanse, disse, relaxe, lembre-se das cheias que levaram tudo, depois ficavam só o caroço, o poço, a pedra, a matéria e o mato. Turbilhões. Calmaria. As grandes pedras não se movem nos turbilhões. Ficava a areia. Ele e ela pareciam fugir da responsabilidade da gravidez.
Bravata aproximou-se de Inverdade num colégio do Rio onde estudaram. Foi Inverdade quem apresentou Incauto à Bravata. Culpava a amiga de ter lhe apresentado Incauto.
Nos ensaios daquela noite, Vicissitude dirigia o monólogo de Cético. Outra noite no Teatro do Povo:
Em que consiste o seu método, Inverdade? perguntou Vicissitude.
Ele caracteriza-se pelas cantigas líricas! ela disse à Vicissitude. É também cheio de emoções e sátiras, como deve ser o teatro.
Então, Bravata, o método associa-se à crítica! adiantou-se Vicissitude.
Associa-se, Vicissitude, à amizade, ao amor e ao sofrimento.
Valoriza-se, nas peças do método, o trovador, disse Bravata, as trovas de amor e amizade.
Cético trovou:
Ai, Dona Rã, que pula
Bem ali. Que ri à beça
E faz gracejos infantis
Não passa duma mula
Que pula, zurra, coicea
Tão feia quão um javali.
Cético é aplaudido.
Afinal, em que consiste o seu método, Bravata? perguntou Vicissitude.
É o mesmo Prisma da escritora Inverdade! disse à Vicissitude. Não teatro qualquer, porque é escrito aos palácios.
E há música nesse teatro?
Há música, Cético! disse. Com parecidas características antes ditas.
Prisma, disse Bravata, é a demonstração no teatro do humanismo. Música separada de poesia.
Cético cantou:
Este corpo cansado entristece
Vendo os corredores agrestes
Que seus olhos em mim fazem
E o meu corpo adoece e morre
Preso à emoção que só cresce
Ao ver no teatro o seu método.
Outra vez, Cético é aplaudido por Vicissitude, Inverdade e Bravata.
Poderia nos dizer, disse Vicissitude, com toda a verdade que há no mundo do teatro, em que consiste o seu método, Inverdade?
É um teatro mimético! disse.
Isso quer dizer...?
O método obedece às leis universais caóticas ou harmônicas.
É a expressão da autoria o que importa na interpretação?
É a subjetividade clássica! disse. Deixa de ser o predomínio do desejo de quem escreve a peça de teatro.
É assim o método! disse Bravata. Entendeu?
Entendi.
É como vê no palco Os Lusíadas.
Começou a entender o que é o Teatro Prisma que trouxemos a Alagoas?
Ainda não estou certa disso! disse Vicissitude. Há outras características?
É o teatro da linguagem contraditória das ruas, como foi o Quinhentismo.
Não sabia! disse. Fale mais! pediu Vicissitude. Nosso Teatro do Povo nem sempre tem este privilégio de conversar com dramaturgas que descrevem tanto e tanto exaltam nossa terra. Ouvi-las é um gozo raro. O uso exagerado das falas, e o uso exagerado dos superlativos, e o uso exagerado dos adjetivos. E há tanta pedagogia em seu teatro, e há tanta didática em seu método, e há tanta literatura em seu Prisma.
Mais uma vez, Cético festejou com versos e música. Tamborilou os dedos no instrumento de cordas, soltou a voz:
Foi meu pecado quem arrastou meu corpo
Atraído pelo que há de mais belo, formoso
Nenhum sol ousa iluminar o quanto ilumina.
Novos aplausos ao ator Cético. Quem estava sentado se levantou. Cético agradeceu-lhes com outros versos, que se perderam ao som de mais aplausos.
Diga-me, disse Vicissitude, há outras características neste seu método?
A linguagem das peças é rebuscada! disse Inverdade.
Não é...? quis contradizer Vicissitude.
A linguagem do método, Vicissitude, é exagerada e dramática.
Pensei ter ouvido que o método adotasse a linguagem das ruas.
Nas antíteses, nos paradoxos, sim! disse. Nas metáforas, nas hipérboles, sim. Entendeu?
Não.
Como um jogo de ideias, concluiu, barrocas.
Cético, que tamborilava o instrumento de cordas, cantou:
Tanto senso comum desavergonhado
Trazido aos pés do Conde Passapano
A Usura e o Engano unem suas camas
Deitam-se e rolam como foi no passado
Senso comum tonto, iludido e fascinado
Deixa-se sugar pelo sedento Nosferatu
E se diz ser um gogo do ser privilegiado.
Coincidiu, com o acorde final, efusivo aplauso de reconhecimento de seus pares no Teatro do Povo. Cético agradeceu com um solo em tons graves.
O método de teatro criado, disse Vicissitude, é só isso?
Não! correram em responder Inverdade e Bravata.
Há outras características?
Por certo que há! disse Bravata.
É o método que valoriza a vida rural, tranquila e livre! disse Inverdade.
Prisma é um método de teatro que foge da dor aguda que representa uma cidade.
Fugere urbem, disse Bravata, amat villam quam amat urbem. Este método possui uma aura arcadista. Se é que me entende. Entendeu, Vicissitude?
As peças escritas no método Prisma, disse Inverdade, são espetáculos e apresentações de falas, de diálogos que enaltecem tudo o que veio à existência graças ao amor. Se não ao amor, ao menos em sua idealização; senão... Afinal, o que vale a pena ser amado!
Canta Cético:
Nada há melhor no jardim do teatro
Se não ver um corpo frenético alado
Beijar frequentemente a mesma flor.
Filho de Eros e Astreu agita as asas
Rosa tocada se encolhe e se alarga
Faísca elétrica da atmosfera penetra
Suga-lhe gota a gota todo seu néctar.
Novos aplausos.
Faltava ao teatro, disse Vicissitude, um método que lhe desse o Prisma.
Outra característica, Vicissitude, em nosso método, disse Inverdade, são as liberdades.
Desde que as liberdades, disse Bravata, estejam associadas à sofrência.
Há também, Vicissitude, o amor à morte e à lamentação, que fazem parte do sofrimento amoroso. Entendeu?
Então quer dizer quê...!
Que o método se alimenta do pulsar divino do mistério e da pergunta que se faz ao querer saber o que fazemos no teatro.
A diminuta plateia no Teatro do Povo ouviu outra vez o canto de Cético:
Amanhã morrerei,
Ó corpo romântico!
Verme tão vaidoso
Verá o fim bucólico
No fúnebre cortejo
Inútil enredo gótico.
A diretora de teatro Vicissitude não demonstrou estar convencida de todas as características do método Prisma que lhe foram apresentadas. Quis saber se o método se resumia naquelas características ditas.
Prisma, Vicissitude, valoriza a objetividade.
Entendi.
A diretora do Teatro do Povo, Vicissitude, investigava com as dramaturgas Inverdade e Bravata o que, exatamente, distinguia o seu método. Prisma já era adotado na Ásia e Europa. Jornais noticiavam que escolas de atores, produtores e diretores em Nova Iorque adotavam Prisma como método essencial.
Além da objetividade a impessoalidade comuns nas tramas realistas no teatro do Prisma, disse Bravata. E a autoria da peça de teatro some, como ocorre com a peça O sumiço dos autores.
Isso quer dizer...! disse Vicissitude.
Quer dizer: o método canaliza o fracasso social, o adultério, a miséria. Diz uns versos, Cético! disse Bravata.
Cúmplice, a vítima de seu algoz,
Sem lugar onde pôr o seu alforje.
Vê mesa sem feijão e sem arroz.
E é um errante de lugares ermos,
E vive sem encontrar a si mesmo.
Nem mesmo encontra uma pedra
Onde talvez repouse sua cabeça.
E se diz ser o primeiro e o último.
Tão oculto e quer voltar ao útero
Por se sentir um autodidata inútil.
A dramaturga Inverdade agradece os versos de Cético que descreveram outras características do método Prisma. Bravata concordou com Inverdade. E a diretora Vicissitude percebeu que inflacionou a sua admiração ao ator Cético.
Bravos! elogiou.
Há também outros aspectos relevantes do método.
Quais? interessou-se Vicissitude.
A zoomorfização comum nos naturalistas.
É verdade?
Sim! disse Inverdade. E uma dose cavalar de determinismo, porque a peça que segue o método interliga os fenômenos da natureza. Entendeu?
Não tão bem, disse Vicissitude, quanto deveria entender uma diretora de teatro com a idade em que me encontro. Então, Inverdade, o método adota uma dramaturgia que ata as necessidades a leis imutáveis! arriscou.
E cantou Cético:
Hoje, o abismo me devora
Como ontem fui devorado
Pela luz que me escurece.
E no universo da atmosfera
Sou vento a soprar abismos,
Bêbado de ermo alambique.
Já explodo tão comumente
Nas cisternas e nos jazigos.
Aplausos. Cético dedilhou algumas notas nas cordas. Aplausos voltaram.
Outras características adotadas no método, Vicissitude, disse Inverdade, são os temas históricos e a perfeição.
A perfeição? disse.
Contenção dos sentimentos, Vicissitude! disse. Opõe-se a si mesmo, pois recusa o sentimentalismo romântico.
Quem costuma ser dado a metrificação, disse Vicissitude, é Cético.
E também o método! emendou Cético a oração de Vicissitude.
Cético entendeu o que é o método! disseram em uníssono Inverdade e a colega Bravata.
Ele tem dado grande contribuição ao Teatro do Povo! disse Vicissitude.
O método possui em sua essência a musicalidade e o misticismo.
O simbolismo do método Prisma está presente em enredos sobre o tédio, o amor e a morte.
Enfim, disse Bravata, caracteriza-se o método Prisma por ampla liberdade formal, sem preconceitos linguísticos. Porque o método, Vicissitude, respira com as experiências diárias. Prisma é o teatro experimental e fragmentário.
Meu teatro tem cadeiras
Tem espaço e liberdade! cantou Cético.
E a peça que aqui se faz
Lá não faz nem se tentar.
Nosso teatro modernista
Se revoluciona, modifica.
Eu toco à noite na Lagoa.
Se toco sonho não morro
Feito sapo de papo cheio
Que coaxa voltado à lua. 
O ator Cético, que começou amador neste Teatro do Povo, profissionaliza o seu papel com o método Prisma! disse Bravata.
O nosso método, sintetizou Inverdade, é intimista como demonstra Cético em suas cordas. Prisma é cordato e cordial. O ator Cético, que já é profissional, é verbal, visual e sonoro.
Naquela noite, ficou acordado que o método Prisma era adotado no teatro regionalista, no teatro urbano, no teatro intimista, no realista-fantástico.
Outra noite, Cético chegou atrasado, parou antes da coxia, ouviu Bravata, Vicissitude, Incauto, e Inverdade. A diretora Vicissitude defendia Prisma como a verdade revolucionária, Incauto abusava de superlativos e gerúndios. Inverdade e Bravata em defesa do método.
Récua: tropa de burro! disse a dramaturga Bravata.
Se acaso atola, recua! respondeu-lhe Vicissitude.
E se mede com régua! atalhou a dramaturga Inverdade.  
E logo lhe mete a pua! antecipou-se Incauto.
E algumas repartições...! disse Bravata. 
Exigem terno, sapatos...! concluiu Inverdade.
Só entra com petições! disse Vicissitude. 
Se tem farinha no prato! respondeu e ria Incauto.
Vejam casas bancárias! reclamou Vicissitude.  
Alimentam-se de papéis... 
Carimbo recolhe erário... 
Dedos cheios de anéis... 
Mostre a elas um óbulo...
Pulam, dançam e riem...
Se lhes traz procuração... 
Elas olham de binóculo...
E não sabem o que diz...
Já em polvorosa récua...
Corre, relincha, coicea...
E xô ao texto que leem...
Vicissitude, Incauto, Inverdade e Bravata trocavam impressões sobre o método criado por Bravata e Inverdade:
Imagine uma figura afônica... 
Que viaja com renas aladas... 
Com presentes da Lapônia...
E uma vez só em dezembro... 
Esperam crianças em casa...
Um oh-rô-rô-rô-rô isotônico...
Isso difere doutros cantos...
Doutros hinos de louvores...
De outros contos natalinos...
Onde festeja Deus Menino... 
Diante do presépio de palha...
Entre incensos, ouro e mirra...
O filho quis saber de seu pai...
Papai Noel ou Papai do Céu?
E se oxítona é lá no fim! disse Inverdade.
Paroxítona antes do fim! disse Vicissitude.
Proparoxítona só contar...
Três sílabas antes de lá...
Para além uma oxítona...
Que é também alguém...
Isto porque som do sino...
Só bate no final do tino...
Uma paroxítona amiga...
Isto é só olhar na janela...
Isto porque som do sino...
Isto é no penúltimo tino...
Proparoxítona é música! disse Bravata.
Som é na antepenúltima! disse Cético.
Neste momento chegou Álibi, o faxineiro do teatro, abriu a porta. Acendeu a luz.

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