Lentamente o sol declina no poente. As andorinhas, em bandos, retornam aos seus ninhos no velho grupo escolar. A Natureza em sua candura e beleza estende seu manto angelical anunciando o momento sacrossanto e crepuscular da Ave Maria, enquanto os sinos da matriz embalados pelas mãos calosas do preto Major, repicam confirmando o flagrante. A cidade se rende ao silêncio. Nas ruas algumas pessoas se aquecem em cumprimentos de boa-noite. Da Ponte do Padre ouve-se o canto das cigarras nas algarobeiras dispersas no quintal espaçoso do casarão dos Bulhões. Tudo silencia ao pôr do sol. O Riacho Camoxinga na singeleza de suas águas mansas, quebra a taciturnidade contornando as rochas em seu caminho, indo sussurrar de mansinho no seu encontro com o Rio Ipanema. Adiante o Poço do Juá, desnudo de suas craibeiras, faz ganir entre as rochas, o canto do laivo de suas águas formando um pequeno lago, onde a melancolia constrói o seu matrimônio com o inaudito cenário.
Em meu quarto, no ocaso da minha solidão,estendo meu pensamento ao passado e estaciono a minha fantasia sobre o leito do velho rio. O Poço dos Homens, ríspido pela sua ousadia, piscina salobra onde os mais audaciosos vencem a pusilanimidade, desafiando a autoridade de suas correntezas. Em minha utopia, contemplo do alto da Ponte do Padre, as canoas costurando o Ipanema numa viagem recheada de emoções.
De repente desperto para a realidade, o sonho acabou, restou apenas a imagem lancinante do velho rio, reverenciado pelos resíduos tóxicos acumulados nas malhas do seu leito e da vegetação espontânea que brotam em seu caminho.
Crônica extraída do livro Lembranças Guardadas ((SWA Instituto 2022, p. 152-152)
Comentários