Que bom receber presente, sobretudo em dias do mês do Natal! Nessa época natalina, também nós outros, adultos, podemos receber presente. Para esse gentil gesto social nem será preciso ser criança, ainda que carreguemos conosco o sentimento do menino de ontem.
Um dia desses, recebi um especial presente – mais um – de Geraldo Mendes de Souza, bom amigo e colega aposentado do Banco do Brasil, morador na cidade do Recife. Dele recebi um novo livro, que é fonte de saber, de conhecimento, de arte, de ciência, de história, de cultura universal.
Conheci Geraldo Mendes há uns 10 anos ou mais, na convenção de Lions Clube realizada em Gravatá, Pernambuco, em maio de 2009. Homem comedido nos gestos e no falar. Gentil e atencioso. A partir daí, passamos a nos encontrar em festivos encontros leonísticos, ora em Pernambuco, ora em Alagoas e em Sergipe. Tornamo-nos, assim, amigos mais aproximados, apreço que lhe tenho, tanto pela identificação profissional de aposentado do BB quanto por seu gosto literário e por suas qualidades intelectuais.
Pela segunda vez, dá-me ele de presente um livro de crônicas, certamente seara de minhas veleidades literárias. Mais um livro de autoria de Joca Souza Leão, consagrado cronista pernambucano. O primeiro, intitulado Crônicas e 50 Histórias Miúdas (2016), e o segundo, o de agora, A Primeira vez Crônicas + 101 Diálogos (IM) Prováveis (2019).
Encantei-me com a leitura do primeiro da qual resultou comentário que publiquei na imprensa, à época. Agora, iniciada a leitura do segundo, logo dou de cara com a pitoresca crônica “Barbas de Molho”. Lendo-a, lembrei-me da minha crônica “Barbudos e Cabeludos”, publicada em agosto de 2006 e inserida no meu livro Chuva no Telhado (2007).
No Banco do Brasil, cheguei muito cedo ao cargo de subgerente de agência. A área de pessoal ser-me-ia o mais difícil e sensível encargo administrativo de minha carreira profissional. Diria verdadeira prova de fogo. Ali estava eu a relacionar-me com gente de formação, cultura, sentimentos e aspirações diferentes.
Na verdade, nos anos 1960 e 1970, a revolução de costumes que ocorreu no mundo inteiro mexeu com padrões e valores tradicionais. O fenômeno dos Beatles, por exemplo, com sua música eletrizante e cabelo de corte ousado, sacudiu a mocidade da época. Antes, tivéramos os barbudos da revolução cubana a empolgar a juventude latino-americana. Dizia-se, por essa época, que Fidel Castro, em visita oficial à Argentina, teria sido interpelado por um repórter, que lhe perguntara quando haveria eleições em Cuba. Reação do comandante: “Quem mandou você fazer-me esta pergunta, mercenário?”
Pois bem. Barbudos e cabeludos surgiram daí em diante como praga. Na agência do BB de Santana do Ipanema não havia, até então, cabeludo nem barbudo. Mas eles foram surgindo naturalmente ao irremediável sabor da esquisita moda. Andei tentando, em vão, persuadir um e outro colega a que não usasse essa extravagância no trabalho, embora essa aparência pessoal não contrariasse as normas internas da empresa. Nada adiantou.
Depois que encontrei na Direção Geral do Banco do Brasil, em Brasília, a mesma moda, não mais me preocupei com os cabeludos e barbudos de minha agência.
No segundo livro recebido de presente, leio o seguinte texto no início da página 23: “Anos 1960/1970. Jovens de classe média, estudantes, simpatizantes e militantes de esquerda; uns com pretensão intelectual, outros com vocação. Calça jeans, camiseta, cabelo grande e a barba possível. Quem tinha barba fechada (‘barba de santo bom, como São Pedro’ – dizia-se), melhor; quem tinha barba rala (‘barba de santo safado’), como a minha, azar.”
Cronista dos bons, Joca Souza Leão é escritor talentoso. Memorialista. Militante na imprensa do Recife. Atento aos fatos do cotidiano de sua cidade. Combativo. Frases curtas, estilo enxuto, acessível. “Tudo temperado com o sabor próprio da cultura pernambucana”, como bem o disse em elogioso comentário Everardo Maciel, que prefaciou o livro.
Não sabia, afinal, que barbas fechadas ou ralas avaliavam conceitos de santo e de cronista.
Maceió, dezembro de 2019.
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