O MISTÉRIO DO FINAL

Luciene Amaral da Silva

Quando cheguei não sabia que ela estava lá, mas tinha muitos elementos que despertaram em mim atenção.
Estava bem penteada, com terninho de linho, salto, batom, uma tiara larga no cabelo, dentes cerrados, óculos novo e um grande sorriso nos lábio. Fiquei curiosa.

De repente me aproximei e fui conhecer sua história, sabia que não era qualquer pessoa, tinha um livro enorme de caça palavras, nunca havia visto tamanha espessura, e logo percebi no diálogo dela, que desde nova fazia uso daquele passatempo, seu vocabulário rebuscado demonstrava tamanho domínio de tais palavras.

Cada dia que voltava ficava mais admirada com tamanha franqueza, como se dissera todo dia que não tinha mais motivo para impressionar ninguém, podia realmente ser autêntica, se isso for possível.

Minha sede por saber mais e fazer-lhe companhia em míseros e rápidos minutos, faziam-me voltar cada vez mais para vê-la.

Seus ensinamentos me mostravam como deveria viver, como poderia evitar tantos dissabores, parecia que me preparava para driblar as armadilhas que as certezas da vida nos coloca.

No entanto, por razões quem nem eu sei, me afastei por um tempo curto e pelas razões de consciência pesada retornei. Fui tirar aquele peso da consciência que muitas vezes levando uma roupa, comida, cota, dentre outras doações, a gente se engana pensando que fez nossa parte, e que estamos em paz com Deus, certa de que essas foram minhas razões, não generalizo com as razões do resto do mundo.

Ao chegar lá, fiquei na porta entregando a doação e da porta mesmo iria voltar, pois tinha apenas saído do trabalho para deixar minha doação. Pensei nela, mas acreditava que pelo horário estaria a dormir.

De repente, quando a porta abriu, estava ela na cadeira de balanço, na porta do seu quarto - casa, olhando quem estava na porta, seu Alzheimer não permitia lembrar mais quem era, mas sabia que alguém poderia ter vindo visitar alguém e torcia para esse alguém ser ela.

Não resisti. Por dor, vergonha e amor não consegui voltar. Entrei. Ela estava lá. Não me reconheceu mais. Convidou para entrar em seu quarto-casa, sentar na cama e começamos a conversar.

Não era mais aquela pessoa que deixei. Não estava mais de terno de linho. Não tinha mais tiara no cabelo. Seu casaco não estava em boas condições. Não tinha mais alegria. Mas o salto ainda continuava e o vocabulário também.

Começou a chorar, disse que a vida estava muito pesada. A angústia assolava seu interior pelas contrariedades da vida. Não quis entrar em detalhes por afirmar não interessar a ninguém. E chorava ainda mais. Ressaltava sua fé em Deus que a mantinha em pé, viva. Mas que todo dia pedia a Deus para não fazer algo de ruim consigo mesma. Queria esperar a morte vir naturalmente, mas não entendia tamanha angústia.

Conversamos. Ouvimos uma a outra. Um início e um fim.Nem sei quem tinha mais coisa a dizer. Ela precisava mais. Não sabia dizer que essa angústia se poderia se chamar depressão, mas não adiantaria, tão sozinha não poderia fazer muita coisa. Que bom que ainda tem consigo sua fé. Faz dela sua força para continuar um dia de cada vez sem saber quando acaba.

Para ela o mundo lá fora não interessa mais. As coisas que estão acontecendo não tem mais sentido. Falou muito da dureza de passar pela vida. Mas mantém imaculada a figura da sua família. Não permite comentários nem críticas a posição da sua família.

Estava ficando tarde, tinha que voltar. E quando me despedi, me abraçou fortemente, deu-me um beijo na face, beijo de mãe para filha. Acompanhou-me até a porta acariciando meus cabelos e na despedida me abraçou mais um vez e com outro beijo na face sai do abrigo de idosos São Vicente de Paula.

Comentários