Voltando ao Bebedor. Gabine, havia uma semana, era perseguido por mil fantasmas. Fim de outra tarde e ele, com o pavor de ontem e de anteontem, deixou o grupo escolar.
Corpus Christi podia ser festejado em maio ou junho. Naquele ano, comemorava-se no mês de maio. Em festa a igreja em Santana, e os fiéis organizavam os preparativos às vésperas da celebração.
Gabine, acompanhando o voo assustado do azulão, voltava ao Bebedor. Via galinha-do-mato fugindo do gavião-do-banhado. Ele margeava aquelas águas escuras, no Panema. Roncava cheio o rio com o ronco característico de mil fantasmas.
Alguns buscavam nas marcenarias resíduo de madeira – ruas de Santana decoradas com cepilho, no dia da procissão – outras pessoas arrecadando doações no comércio de tinta e nas casas de materiais de construção e ferragens. Era uma forma memorável de acolhida ao Corpus Christi que lembrava a passagem de Jesus sobre as ruas coloridas por mantos e ramos.
Com voz arrastada, o professor Pleonasmo ameaçava a classe de Gabine. Ameaças por semanas em invadir a sala de aula com o poderoso exército das classes de palavras. Alunos, temerosos com a guerra próxima, queriam distância daquele dia da prova chegando com a velocidade do cometa Halley.
A festa de Páscoa havia acontecido há 60 dias. E 60 dias depois, Santana enfeitava-se à procissão de Corpus Christi.
Professor Pleonasmo repetia, aula a aula, como ideia fixa, falando sobre as classes de palavras. Substantivo era isto, compreende, e não aquilo. Não admitia que não soubesse identificar um artigo. Verbo, compreende, tão usado, e ainda hoje o aluno errava o tempo. O adjetivo, compreende, tão comum nas falas, e o aluno sequer conseguia identificá-lo. Pronome todos o conheciam, compreende, desde o primeiro dia no grupo escolar e, hoje, se perguntasse acaso o que era o pronome, ela não sabia, não sabia ele. O advérbio era sem comentários! Conjunção era outro bicho de sete cabeças? E o numeral, compreende, não havia um aluno aqui que soubesse. Aqui, compreende, o aluno ignorava as preposições simples, quando ao falar quase sempre se usava: por, até, com, desde, contra, em, entre, sem, sobre, após, sob, trás, a, de, ante, para, perante. E a interjeição, compreende, esta deixei fora da prova do mês de maio! – disse o professor Pleonasmo aos alunos, no grupo escolar.
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Literatura: A procissão de Corpus Christi passava na rua do grupo escolar?
LiteraturaPor Marcello Ricardo Almeida 31/05/2024 - 09h 01min Arte do autor
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