Na penumbra de uma loja de produtos naturais no centro da cidade, onde o aroma de ervas e óleos essenciais se misturava ao calor da tarde, encontrei uma velha amiga conhecida. Seu sorriso era um convite a lembranças, mas suas palavras, um lamento cansado. Era a história de muitos: a indignação contra uma gestão que se esquecera de seus deveres, deixando estradas esburacadas, a saúde enferma, obras inacabadas e a cidade conflagrada. A voz dela tremia ao relatar a falta de remédios, a morosidade dos exames, as promessas vazias e a miséria miseravelmente oportunizada.
“Não voto mais nele”, disse, enquanto os olhos marejavam. Contudo, a ideia de receber uma mãozinha em troca do voto ainda a prendia. “Vou dizer que voto, vou pedir uns trocados para pagar a conta de água, mas não voto”.
Confesso que, até aquele dia, eu costumava me esquivar de conselhos sobre temas tão sensíveis. Mas a imagem daquela mulher, tão cheia de esperanças frustradas, me fez agir como antes não agia. “Você faz bem em pegar o dinheiro e se vingar desse tipo de gente”, eu disse, deixando a honestidade escorregar entre nós como uma correnteza. “Mas, escute: não se prenda infantilmente a promessas que só alimentam suas necessidades momentâneas. Na cabine, você é livre.”
A palavra “livre” ecoou no ar como um mantra. Era o que todos precisávamos lembrar: a solidão da cabine de votação não era um castigo, mas um sagrado espaço de decisão. Ali, a dependência se dissipava e a timidez se tornava coragem. O que era um voto senão uma declaração de desabafo, de liberdade?
E, ao olhar para ela, percebi que meu conselho, mesmo que riscado pelas falhas do ser humano que, em sua totalidade, são movidos por interesses nem sempre confessáveis a luz do dia, tinha um peso. Não se tratava de uma troca, mas de um ato de amor à própria dignidade. Como podia eu, que já soubera do gosto amargo da frustração, privá-la desse poder? É bem verdade: quando se perde na batalha; se ganha na lição.
O conselho, embora desafiador, era um convite à reflexão. “Lembre-se, cada voto é uma oportunidade de sepultar os oportunistas. E a verdadeira caridade está em nos ajudarmos a encontrar esse poder dentro de nós mesmos.” Naquele instante, compreendi que, mesmo que “se conselho fosse bom, ninguém o dava”, a partilha de um olhar sincero pode ser a centelha que ilumina o caminho de alguém. Às vezes, a liberdade é tudo o que precisamos. E sim, na cabine solitária de votação é só você – eleitor - e sua consciência. Dei-lhe um profundo beijo na testa e segui em frente.
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