CATÁSTROFE

Crônicas

Jeno Oliveira

Em meio a uma das maiores tragédias climáticas do Brasil dos últimos 50 anos, há indícios sobrando de que a luta pela reconstrução das cidades atingidas não será a única guerra que a população gaucha enfrentara. Infelizmente! Da poltrona da sala, enquanto o sol no nordeste pouco se esconde por trás das nuvens e os pés de milho demoram a crescer, assisto, atônito e quando não me falta coragem, alguns comentários sobre a triste catástrofe que abalou o povo farroupilha. Pelo que acabei de consultar nas mídias, já são mais de 100 vidas humanas perdidas; é muita gente, fora as tantas outras que continuam desaparecidas. As imagens de cidades inteiras tomadas pela mesma água, que ora salvam vidas, abalam até os corações mais duros e mais distraídos.

Não sou anarquista e nem comungo com aqueles que pedem a extinção total do Estado, nem tão pouco sou um liberal que coloca a liberdade individual no topo de suas prioridades, como se nós, como meros indivíduos, pudéssemos viver alheios e apartados da moral, valores, tradição e das muitas regras estabelecidas em sociedades das quais estamos inseridos. Do liberalismo, o clássico, confesso que tenho mais semelhanças do que dissemelhanças. Enquanto rabisco esta crônica, li no Cada Minuto, que muito me honra com este espaço, que o Rio Grande do Sul tem mais de 100 trechos de rodovias com bloqueios total ou parcial. Se não o Estado, quem poderia construí-las - as rodovias? Mesmo as muitas em situações capengas e sob custos tão caros? A garantia da lei e da ordem? Se não o Estado? Quem mais poderia salvaguardá-las? Dito isto, se não me considero nem anarquista e nem liberal, do socialismo quero distância, muita distância, anos-luz de distância, pois esse, por onde passou, só produziu miséria, dependência, escravidão e sangue.

Ontem, no auge de minha alergia e após lançar dez espirros ininterruptos sobre as palmas das mãos, tive a sorte de continuar vivo e de ler ‘O discurso’, mais uma das múltiplas crônicas de Raquel de Queiroz. Se tardiamente a conheci, não culpo ninguém a não ser a mim mesmo, que passei algumas décadas subestimando autores nacionais após ler Graciliano, o maior alagoano do século XX, a meus olhos. Acostumei-me mal, assim como o governo federal está mal-acostumado, e porque não dizer mimado, desavergonhado, já que nem no pior desastre natural do Brasil, ele consegue compreender e enxergar de maneira saudável o protagonismo da sociedade civil. Que mal a nisso? Digam-me? Um governo com recalque daquilo que a população pode entregar! Peço permissão aos leitores para citar palavras do vice-prefeito de Porto Alegre, Ricardo Gomes, um agente político que não se incomodou com a solidariedade privada. Eis suas palavras: “Pobre de um país em que o governo é maior que o povo; o povo deve sempre ser maior que o governo”.

É hora de reconstruir o estado do Rio Grande do Sul, de prover moradias para as famílias que perderam tudo, de fazer chegar as doações, sem necessariamente estatizá-las. Ainda bem que os voluntários civis fizeram e continuam fazendo a diferença, pois mais triste seria, se lavassem as mãos. Já pensou? E se mesmo detendo 60% dos impostos arrecadados no Brasil o governo falhou na eficiência, que mal há em quem o critique? “Todo mundo no Brasil é mendigo do Presidente da República que vive cheio de papel-moeda! Isso é o que eu quero que caia”. Na crônica de 52 de Raquel, Octavio Mangabeiras já denunciava em seu discurso no senado o centralismo federal. O que mudou de lá para ca?

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