Conto de Guimarães Rosa. Análise de Lúcia Nobre
O jagunço do conto “Famigerado” partiu montado em um cavalo alto, um alazão; bem areado, ferrado, suado, e, nem é preciso dizer, acompanhado de capangas. Desentendeu-se com o homem do governo. Queria saber o significado da palavra que ele, o homem do governo o denominou. Estava bastante ressabiado, por não saber do que se tratava. Lá na região havia um doutor que era sábio e entendia de tudo. Foi para lá que o homem se dirigiu. Pretendia vingar-se, mas, só depois que ficasse tudo esclarecido. Isso era questão de honra. Tinha certeza que ninguém ali saberia esclarecer suas dúvidas. Só o padre, mas, esse, também não era seu amigo: “Só se o padre, no São Ão, capaz, mas com padres não me dou: eles logo engabelam. Para ele, ali, “É gente de informação torta”.
O Doutor estava tranquilo em sua casa, quando, de repente, parou à sua porta o tropel. Chegou à janela e viu aqueles cavaleiros, destacando-se: “- o oh-homem-oh-com cara de nenhum amigo”. Para o dono da casa, “aquele homem, para proceder da forma, só podia ser um brabo sertanejo, jagunço até mesmo na escuma do bofe”. Mesmo com muito medo, convida-o a desmontar, a entrar. O visitante não queria entrar, só pretendia: -“Eu vim preguntar a vosmecê uma opinião sua explicada...”. E logo se apresentou: -“Vosmecê é que não me conhece. Damásio, dos Siqueiras... Estou vindo da Serra...” .
Equiparado, exato; e, embolados, de banda, três homens a cavalo . Percebeu que ali acontecia algo assustador. O que queria aquele cavaleiro mal acompanhado? Não estava com cara de bom visitante. “Sei o que é influência de fisionomia. Saíra e viera, aquele homem, para morrer em guerra” . Diante da perplexidade do homem da casa, naquela situação, veio o esclarecimento, ou melhor, a pergunta: “Eu vim preguntar a vosmecê uma opinião sua explicada...” . Até então, pairava a dúvida no semblante e na alma daquele homem, que, segundo ele mesmo, “estava em casa, o arraial de todo tranquilo” .
Encontramos no texto estudado, o elemento folclórico que faz parte da narrativa de Guimarães Rosa. Os jagunços, os malfeitores, os andarilhos, os capangas (desenraizados), que servem aos fazendeiros sem escrúpulos, ao mesmo tempo, centram-se, também, os conselheiros, os apaziguadores, os que promovem a paz. Tanto que, o dono da casa que se intrigou com a situação, quis amenizar o clima e ouviu o que o visitante com dificuldade comunicou: - “Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é que mesmo que é: fasmigerado... faz-me-gerado... falmisgerado... familhas-gerado...?”. . O homem queria saber o que dizia aquela palavra, certamente, para acertar as contas com o homem do governo que o chamou famigerado. Para ele, coisa boa não podia ser. Pois, ignorante era, tinha consciência disso. Não possuía amigos.
O Doutor, perspicaz, percebeu e amenizou a situação.
_ Famigerado? Ah! Essa foi a palavra que o homem falou?
_ Sim, Senhor Doutor.
_ Quer dizer que o Senhor é uma pessoa boa, de bom caráter, inteligente...
Depois do desfile de palavras proferidas pelo Doutor, o homem ainda quis se certificar:
_ “Vosmecê agarante, pra a paz das mães, mão na Escritura?”
E o Doutor respondeu:
_ “Olhe: eu, como o Senhor me vê, com vantagens, hum, o que eu queria uma hora destas era ser famigerado – bem famigerado – bem famigerado, o mais que pudesse!...” .
Ao ouvir as palavras do Doutor, exultou-se, desagravou-se, dispensou e agradeceu os companheiros. Não precisava mais dos seus serviços.
_ “Vocês podem ir, compadres. Vocês escutaram bem a descrição...”.
Foi embora satisfeito.
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