Sem a terra e sem as condições para comprar ração, percebemos que a vaca que ganháramos tinha sido um “presente de grego”. Dada a importância nutritiva do leite para as crianças, meu pai não quis desfazer-se dela. Falou, então, com um fazendeiro conhecido, que morava na mesma rua, para deixá-la pastar junto com seu gado. Toda manhã, antes de ir para o Grupo Escolar Constança de Goes Monteiro, ia para o curral do fazendeiro pegar o leite. Lá, ficava esperando chegar a vez da ordenha da minha vaca. Entrava um bezerro, entrava outro e o meu, nada. Angustiava-me ver a hora da escola se aproximando e eu ainda ali, esperando, esperando. De repente, do meio do som das seringadas do leite nos baldes, dos berros, mugido e pisotear dos animais, uma voz ecoa: Ainda não soltaram o bezerro do Raul? Ele tem escola...Ufa, que alívio, respirei. A ansiedade despencou. Corro para a cancela. A cria sai apressada procurando a mãe entre as outras. Pego minha porção de leite e corro para casa. Está em cima da hora...
Foi nessas circunstâncias que o conheci de perto, no curral atrás da casa dos seus pais, onde tinha uma salgadeira. Nunca verbalizei meu sentimento com relação àquele gesto. Guardei-o no silêncio da memória.
Fomos passando pelo tempo e chegamos a década de 60 que representou para muitos dos pais que tinham filhos matriculados no Constança um marco importante para o desenvolvimento educacional dos seus filhos: implantava-se o Ginásio Santo Antônio de Sertãozinho, possibilitando que adultos que antes haviam parado com seus estudos, e jovens e adolescentes que deixavam o Constança ao final do antigo curso primário tivessem a perspectiva de dar continuidade aos seus estudos, cumprirem mais uma etapa de conhecimento e, assim, fortalecerem suas asas culturais para ganharem o mundo. A praça Lindolfo Collor de Melo, hoje Praça Leopoldo Amaral, que já era animada nos fins de semana à noite, passou a fervilhar ainda mais, durante a semana, com a presença da juventude estudantil circulando antes e depois das aulas. As primeiras palavras e frases em francês ganharam a rua. Elas davam status a quem as proferia. Então, ante aquela atmosfera jovem que envolvia a cidade, fazer a Admissão e ingressar no ginasial e aprender francês era o sonho de muitos alunos do Constança.
Em meio aquele clima de mudança de comportamento da juventude no mundo, contestando valores até então estabelecidos, surge um moço com o espírito carregado de sonhos, querendo ingressar na política. Entendia que só assim podia fazer alguma coisa pela educação e consequentemente pela juventude cuja simpatia logo conquistara. Depois de amargar algumas derrotas, conquistou seu objetivo: elegeu-se prefeito por duas vezes, sendo vice em outras oportunidades. Como prefeito deu ênfase a construção de escolas no município e, na cidade, construiu um complexo educacional moderno para atender a demanda do ensino fundamental. Um passo ousado para a época.
Cravada no semiárido – de sol causticante e pouca precipitação pluviométrica – a cidade não tinha nenhuma árvore plantada na área urbana. No segundo mandato arborizou todas as ruas quando ainda não havia uma consciência ecológica coletiva. Recebeu críticas. Diziam que sua obra se resumia em plantar árvores. Não entendiam, talvez, que ao se plantar uma árvore não se sabe se seus benefícios são para hoje ou para quando. Se bem cuidadas, porém, seus frutos podem ser tardios, mas serão certos. Tendo ele nascido no campo, sabia, ainda que intuitivamente, da importância vital da árvore ao se deparar no dia a dia da fazenda com os animais descansando à sombra dos juazeiros, dos ipês ou das algarobas. Percebeu que árvore é vida que sustenta vida. Sem elas a vida pode se tornar impossível. Hoje estão aí, dando sombra, embelezando a cidade, purificando o ar, liberando centenas de litros de oxigênio, tornando mais ameno nosso meio ambiente e contribuindo para a nossa respiração.
Cultivou a paz na prática política e sonhou um dia ver o povo eleger seus candidatos sem precisar vender o voto, um sonho por muitos considerado quixotesco. Era criticado pelos conservadores e muito elogiado por quem via na sua atitude uma virtude a ser seguida, e não um defeito.
Continuamos passando pelo tempo e, não tendo o poder de decifrar os enigmas da vida para escaparmos da finitude, como personagens mitológicas, um dia, por força de um princípio universal, somos “convidados” a sair de cena... E hoje, a cortina do seu palco existencial se encerrou, abrindo-se simultaneamente para encenação de uma vida nova, agora, espiritual...
Conforta-me saber que, como prefeito e como pessoa, deixou para seus irmãos Izidorenses, além de infraestrutura urbana, o valioso legado de plantador de escolas, árvores, vida e paz.
Meu prefeito DOCA ALVES (como costumava tratá-lo), DESCANSE EM PAZ e, na alma, leve meus sentimentos de GRATIDÃO!
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