Estive recentemente na Fazenda Laje Grande, dos meus velhos queridos e inesquecíveis avós paternos, Antônio Ricardo e Dorothea Vieira. Foi uma verdadeira viagem ao passado. Uma reprise de um filme encantador. Relembrei da minha infância, quando por lá passava minhas férias escolares, acontecimento que me rodeava de ansiedade quando os dias esperados se avizinhavam. Tudo era lindo, tudo era maravilhoso, como dizia o poeta.
Agora, no limiar dos meus 66 anos, observei com detalhes tudo que vivenciei nos áureos tempos de criança, época em que todos os acontecimentos vinham “recheados” de magia, de encantamento, de alegria. O velho casarão alpendrado, de taipa e chão batido – hoje reformado – deixava transparecer, em minha mente infantil, a visão de um reino encantado.
A rotina da fazenda começava antes das 05:00 horas, quando os homens se encarregavam da ordenha das vacas e das cabras e as mulheres se ocupavam com os afazeres domésticos. Quando observo atualmente nos concursos leiteiros, das exposições agropecuárias, vacas produzindo cerca de até 70 litros de leite/dia, tenho a dimensão exata da baixa qualidade do padrão do gado crioulo de então, visto que existia no curral uma razoável quantidade de vacas e o leite conseguido era suficiente apenas para o consumo da família. Até meus tios costumavam dizer, em tom de blague, que a produção de algumas “caxexas” não dava nem “prá criar um gato”.
Um fato curioso, que o dia a dia da fazenda chamava a minha atenção, era alimentação familiar. Eram servidas quatro refeições diárias: café, almoço, janta e ceia. Logo cedo o café, que consistia em uma caneca de café com leite, queijo e bolachas secas, de água e sal. O almoço, às 10:00 horas (cuscuz com leite, ovos e carne de caça), que era servido após a primeira etapa dos serviços do eito. A janta, por volta das 15:00 horas (feijão com farinha, arroz e carne guisada – de galinha, de bode ou de boi), após o encerramento das tarefas diárias. Finalmente a ceia (café ou chá, com bolacha), após as 18:00 horas. Logo em seguida, o recolhimento para o descanso natural. Meus avós e minhas tias nas camarinhas e os demais em redes, armadas na sala ou no alpendre (nessa época não se falava em violência).
A distância dos centros fornecedores e a dificuldade em adquirir produtos industrializados, faziam com que determinados gêneros como o sabão, a massa do cuscuz (fubá), o café torrado, queijos e tantos outros, fossem produzidos na própria fazenda. Talvez por ser um dos maiores proprietários de terras da região, ou pela sua forma austera e respeitada de proceder, meu avô exercia na região uma forma de juiz de paz, e de guerra também. As pendengas de pequena monta que ocorriam pelas cercanias, eram por ele resolvidas. Quando a questão extrapolava sua “alçada”, a encrenca era encaminhada para o “coronel” Elísio Maia, em Pão de Açúcar.
Uma prática que existia e somente agora, na minha maturidade, pude mensurar, era a preocupação com o meio ambiente, onde a flora e a fauna eram preservadas. O solo da propriedade era coberto basicamente por caatinga, no entanto eram encontradas muitas madeiras de lei tais como angicos, baraúnas, caraíbas, pereiros, umburanas cambão e de cheiro, cedros, bons-nomes, frondosos juazeiros e quixabeiras, coqueiros alicuri, árvores frutíferas como trapiazeiros, umbuzeiros e uvaieiras, cujos frutos destes dois últimos eram muito apreciados pelos cágados, espécimes muito abundantes no tempo antigo. Só eram abertas clareiras na mata de áreas destinadas ao plantio de sementes de lavouras de subsistência.
A fauna era bastante diversificada e abundante. Havia veados, porcos do mato, tamanduás, tatus, raposas, gatos do mato, bichos-preguiça, macacos, sagüis, serpentes de várias versidades, seriemas, inhambus, papagaios, araras, jandaias, acauãs, asas brancas, juritis, cardinheiras, pombas rolas de todas as variedades, aves de rapina, galináceos e pássaros canoros, que orquestravam a sinfonia matinal. Eram encontradas, inclusive, nos pontos mais ermos da propriedade, onças de bode e suçuaranas. Somente era autorizada a caça de espécies que servissem para a complementação da mistura alimentar. Se meu avô descobrisse que algum dos netos havia abatido algum passarinho por malvadeza, fatidicamente o “malfeitor” entrava na “piaba”. O ponto negativo da visita, que me deixou bastante desolado, foi observar que a Fazenda Laje Grande, meu mundo de sonhos de outrora, seguiu o destino melancólico de todas as outras. A vegetação compacta de antigamente foi castigada pela inefável devastação, dando lugar a campos de pastagens, tudo em nome do fatídico desenvolvimento. Infelizmente foi decretado o fim do romantismo. E agora, José? A festa acabou. Fico com a leve impressão de que cheguei tarde. Fazer o que?
Recife, novembro/2009
Comentários