Tinha meus nove a dez anos, e residia no prédio dos Correios, do qual meu pai era o Chefe do antigo DCT aqui em Santana. Prédio este localizado no Beco de São Sebastião, vizinho a Farmácia Vera Cruz, na época apenas uma mercearia de propriedade dos irmãos Alberto e Jugurta Nepomuceno Agra. Naquela época, cidade pequena, as diversões eram poucas. Durante o dia era andando de carrinho com rolimãs, jogar chimbra, papão, e ir às aulas no Grupo Escolar Padre Francisco Correia, com minha mãe Marinita Peixoto Noya; aí era um sacrifício danado (coisa de estudante preguiçoso). À noite só tinha o cine Ipanema, localizado no prédio do meio da rua, “tombado” literalmente.
Meus pais não costumavam castigar suas “crias” com pancadaria. Era um tal de “castigo”. Por exemplo passar trinta dias sem sair de casa, muito menos ir ao cinema. Não sei o que foi que eu fiz que já estivesse de castigo há 29 dias. No outro dia iria ser projetado no dito cinema um filme com “Cisco Kid e Pancho”, personagens que os garotos da época só viam nos antigos gibis. Fiz as contas direitinhas e não consegui chegar a um denominador comum; amanhã seria, ainda, o último dia. O que fazer? Nunca havia chegado um filme com estes personagens em Santana, e eu não iria perder de jeito algum. Foram 24 horas de amargura sem saber o que fazer.
Chegada a data fatídica, meu pai que não perdia um só dia de projeção, já foi saindo em direção àquela casa de espetáculo, a única como já citei. Fiz que ia dormir, minha mãe deveria estar ouvindo as novelas nas rádios do “Sul”, vesti uma beca e esperei que a projeção fosse iniciada. Dito e feito, quando as luzes se apagaram subi as escadas para ter acesso a sala de projeção que, ficava no primeiro andar. Sentei na primeira fila à esquerda, e fui curtir a dupla dinâmica. O Cine Ipanema só tinha um projetor, logicamente eu me preparei para quando fossem colocar o outro rolo eu desceria as escadas, pois as luzes iriam se acender. Mas, o filme foi tão bom, que não deu tempo de correr. Dei uma olhada com o canto do olho, adivinhe quem eu vi, duas poltronas adiante? Adivinhou, meu pai Darras Noya, que nem estava aí, fez que não me viu, pensei pra mim: Desta eu escapei, quando terminar o filme desço as escadas de duas vezes; impossível pois tinha pelo menos uns vinte degraus. Mas, sai de fininho e fui dormir numa boa, no outro dia estaria livre do “castigo”.
Meu pai costumava sair cedo e chegar tarde, e eu estava na escola, portanto só o encontrei no terceiro dia, depois das “bênçãos” que hoje poucas pessoas fazem, veio à pergunta: “José você não estava de castigo?”. – Respondi que sim, e com a maior cara de pau, ainda completei por quê? Antes que ele respondesse emendei com uma mentira danada, não sei como não criei rabo, pois já era meio dia. Pedi a “Didi”, apelido de minha Tia Francelina Noya Rocha mãe do Jornalista Antonio Noya, irmã mais velha do meu pai e que praticamente o criou, e ele tinha um respeito danado por ela. Está bem vou perguntar a ela. E agora? Não tinha mais jeito era esperar e ver no que iria dar.
Ele passou em frente à residência de Didi e lá estava ela com a cabeça na janela. “Di” era como ele a chamava, a senhora deixou Zeneto ir ao cinema anteontem? Pega de surpresa, disse eu? A mente funcionou com a velocidade da luz, e completou: Ah sim foi, deixe, deixei sim, numa afirmativa meio complicada. Certo, despediu-se e foi embora. À noite, me chamou e disse: “de fato sua tia confirmou sua versão de ter autorizado sua ida ao Cinema, mas vamos fazer o seguinte: Passe mais trinta dias de castigo, por via das dúvidas. A confirmação de minha Tia não “colou”. Tome mais trinta dias a “pão e água”, traduzindo: Casa e Escola. Dancei, com a minha tática. Neste momento preferi que ele tivesse aplicado uma “sonora” pisa (são treze surras), pois logo, logo já teria passado os efeitos.
Pense numa raiva de quem não tinha nada a ver com isto: CISCO KID E PANCHO... Mesmo assim, bons tempos aqueles!
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