Aos amigos Cida e Tonho Kupim.
Fui tomado pela inquietude de me perguntar o que é a felicidade? Embora, intimamente, cada um tenha a própria definição, isso já não me bastava. Com ousadia, continuei intrigado. No fim de semana, iria visitar à família de Compadre Biu e Comadre Doca, na Serra do Céu. Aguardava com ansiedade esse encontro, pois havia anos que não os via. A Serra do Céu parece ser o topo do mundo no sertão. Lá de cima tudo vira azul e cinza, ao mesmo tempo, até se perder da vista. O cenário aguça e estimula ainda mais os pensamentos. Chegou o dia. Com ansiedade, segui a estrada em direção à serra. Levei a tristeza e a solidão disfarçadas de homem. O dia estava entardecendo. Segui estrada adiante. Enquanto o carro subia a serra, em cada curva, eu via pelo retrovisor o sol em toda sua realeza crepuscular, diminuindo de intensidade e realçando sua cor, como que se retirando garbosamente, declinando-se de um amarelo ouro para cor de abóbora, como que zombando de toda humanidade indiferente àquela beleza. Ao mesmo tempo, à frente, em cada curva, a lua ascendia, ora aparecendo, ora se escondendo, esbanjando charme num prateado estonteante de paralisar qualquer vivente. Lamentei testemunhar solitariamente aquele momento de êxtase!
Cheguei! Estava no topo do mundo sertanejo. Lá em cima, entre subidas e descidas, numa ampla área plana estava fincada uma diminuta casinha branca de alvenaria, rodeada de frondosas mangueiras, goiabeiras e jaqueiras, onde moram meus compadres Biu, Doca e seus nove filhos. Uma das meninas é minha afilhada. Defronte a casa, um lindo e bem cuidado jardim, sem nenhuma cerca de proteção, é o cartão de visitas. Plantados em grandes tachos de barro estão meus preferidos e perfumados cravos brancos e vermelhos, exalando ímpar e arrebatadora fragrância, que se dissipava com a força do vento a contragosto do meu olfato insensível. O terreiro, como comadre Doca assim o define, estava rigorosamente varrido.
Rapidamente anoiteceu. Eu passaria a noite por ali. Aquela noite parecia mais bela que todas as outras. Era convidativo um brinde ao universo em toda sua exuberância rumando ao equilíbrio natural. Ao longe, podia-se enxergar o clarão das luzes cintilantes da cidade de Santana num brilho da rara beleza, parecendo uma cidade encantada que só aparece uma vez por ano. Tudo estava tão divinamente claro que meu desejo era criar asas e como vagalume, alçar voo e planar sobre a magia daquele espetáculo da natureza noturna. Retornei a mim sendo chamado para o jantar. A mesa de madeira bruta era pequena, mas conseguimos nos arrumar, cuidadosamente, de forma que ninguém ficou de fora. No centro da mesa um grande candeeiro iluminava o ambiente. As crianças, educadamente, aguardaram a ordem dos pais para iniciar o jantar. Compadre Biu e comadre Doca fizeram uma breve oração de agradecimento a Deus e nos serviram uma deliciosa galinha ao molho pardo com feijão de corda, arroz e farinha. Estava deliciosa! Com sutileza, observei como aprendiz os movimentos daquela família, cuja simplicidade e sinceridade dos hábitos encantavam-me. Após o jantar, ficamos no terraço a jogar conversa fora, parecendo transfigurados pela luz do luar. Tomamos um cafezinho batido no pilão e entre um assunto e outro, indaguei: Compadre Biu, o que é felicidade para você? Ele respondeu: Oxente, home, que conversa é essa? Sou um home sem estudos, trabaiador de enxada desde menino. Sem emprego certo, sou obrigado na época da seca a ir para o sul, para cortar cana. Lá passo dois meses sem vim em casa, sofrendo mais do que bode embarcado. Essa vida é difícil, compadre! Mas eu gosto mesmo é daqui. De estar em casa com a minha famia. Minha maior felicidade é ter o que comê com a muié e filhos. Faço tudo que posso para que todo mundo fique junto. Isso pra mim é felicidade!
Seu sorriso desdentado, o brilho dos seus olhos expressando um misto de perplexidade, ingenuidade, serenidade e paz dispensavam qualquer outra pergunta. Não quis pensar, nem indagar outro tema, senão guardar a lição daquele homem sem nenhuma formação escolar. Afinal, sabedoria não se aprende nos livros. O tempo agracia a quem quiser se permitir. Compadre Biu é mais um exemplo de que o melhor, em qualquer lugar do mundo, são as pessoas.
Quando você se sentir confuso, assim como eu, de carro ou a pé, não tenha pressa! Observe com atenção tudo em sua volta. Olhe o por do sol! Olhe a lua! Abrace e beije! Converse com José, João e Maria então você encontrará as respostas de que precisa. Quem olha pra fora, sonha. Quem olha pra dentro, desperta...
“Que seja minha noite uma alvorada. Que me saiba perder... Para me encontrar...” Florbela Espanca.
Dezembro de 2008
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