do livro “O sonho de Alice” de Lúcia Nobre
Sinha Filomena mora com sinha Zabé Fofa e sinha Zabé brincão em uma casa na rua dos Machados em Santana. Sinha Filomena (Mena) faz bicos e rendas em sua almofada de bilro, sentada no chão da sala. Tem muitos amigos que a visita e sempre lhe dão um trocado.
- Mena como está hoje?
- Tô na mesma Alice. Sempre com essa dor nas costas.
- É porque a senhora passa o dia sentada.
- Eu sei, mas tenho que fazer essas encomendas de bico, pra vê se junto um dinheirinho pra o meu enterro.
- Não diga isso Mena, a senhora ainda é forte. Cadê as Zabés?
- Uma tá na igreja e a outra na casa do povo dando uma mãozinha.
Sinha Isabel trabalha na igreja para varrer e tem o apelido de Zabé fofa, porque é gordinha. As crianças dizem que namora Major que toca o sino da igreja. Sempre perguntam:
- Sinha Zabé cadê o Major?
- Tá na igreja, rem, rem... (Responde rindo).
- Sinha Zabé, por que você tem um olho verde e um azul? Perguntam as pessoas sem educação. (falava-se os maloqueiros). E a velhinha responde com um palavrão.
Sinha Isabel já está cansada e não tem forças para continuar na igreja. Pedro e Alice conversam com o padre e a levam para a casa de São Vivente de Paula. Todos os domingos à tarde, o casal a visita. Um dia Sinha Zabé amanhece morta.
A outra Sinha Zabé é chamada de brincão porque tem uma orelha muito grande. Faz mandado das pessoas, andando o dia todo na rua com sua saia comprida estampada e um lenço na cabeça. Responde com palavrões aos atrevidos que a chamam Zabé brincão. Também como a outra, um dia amanheceu morta.
Mena não sai de casa. As vizinhas sempre levam uma canja de galinha. Segundo Alice, ela come como um pintinho. Vive sentada diante de sua almofada, vestida com uma saia longa e uma blusa de mangas compridas e um xale às costas.
- Mena, quando a senhora morrer não se preocupe que dou o caixão. (Prometeu o vendedor de caixão de defuntos).
- Tá certo meu filho. Qualquer dia eu me vou.
Mena adoece e as amigas da rua cuidam dela muito bem.
- Alice, Mena tá doente.
- Quitéria, dê uma olhada nela que vou fazer um caldo de carne e levo já.
- Tá certo, Maria comprou um suco de uva e umas bolachas.
- Minhas filhas, neste baú, lá no fundo, tem umas economias. Quero que vocês comprem minha mortalha, mandem celebrar uma missa, e o caixão, seu Frederico já prometeu.
- Está certo Mena. Mas, a senhora precisa comer uma coisinha.
- Alice e Quitéria podem ir pra casa, que eu tomo conta de Mena. (Diz Maria que está em casa de Mena, como se fosse hóspeda).
- Sinha Filomena, fique logo boa, para fazer os bicos da toalha da igreja. (O padre Cirilo que também é amigo de Mena veio visitá-la).
- Eh! Meu filho, dessa eu só saio para a outra.
- Padre, eu tenho o dinheiro da missa e da mortalha, porque seu Frederico vai dar o caixão.
- Está bem, sinha Filomena, se é assim, Deus a leve para um bom lugar.
Sábado de manhã, Mena amanhece morta como um anjinho. Maria, Alice e Quitéria pegam o dinheiro do baú, uma como testemunha da outra e imediatamente foram procurar seu Frederico.
- Bom dia seu Frederico. Mena morreu e queremos o caixão que o senhor prometeu.
- O caixão custa um conto de réis.
- Mas o senhor prometeu...
- Não sei de nada.
- E agora? (Perguntam-se. O dinheiro do baú é pouco).
- Vamos pedir no comércio.
As três vão ao sobrado, residência de seu Ulisses, que conversa com seu Marinheiro, e contam a história.
- Não se preocupem, nós ajudaremos.
- Façam as compras, o que faltar, completamos.
Todos cooperam. Compraram o caixão, a mortalha, pagaram a missa e ainda sobrou para comprar uma patente para que Sinha Filomena receba missa para sempre.
Observação da autora: mulheres ricas, chamavam Sinhá e as pobres Sinha.
Conto publicado em 03/09/06
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