ANJO LUZ

Contos

Lúcia Nobre

Esse anjo, sempre com seu sorriso peculiar, amou tanto, que viveu e morreu por amar. Nunca a vi nervosa e a reclamar por nada. Triste, sim; às vezes, muito triste, como se sonhasse um sonho possível, mas muito difícil de se realizar.
Linda e inteligente, ponderada em suas ações, ouvia sempre, sabia ouvir como poucos. A maioria das pessoas só falam. Não querem nem saber da opinião dos ouvintes. Ela falava pouco, sabia entender as pessoas.
Na poesia, extrapolava suas mágoas. Uma poetisa, uma transmissora da paz. Tenho certeza que é um anjo.Onde estiver, o seu sorriso lindo resplandecerá enfeitiçando os outros anjos.
Sofreu muito porque não foi compreendida por seu amor. Parecia uma adolescente quando dele falava. Não se observava mágoa em suas palavras ao falar de suas decepções. Só tristeza, uma tristeza infinita.Ela possuía a simplicidade e a beleza dos lírios do campo.
Querido anjo que se foi, se eu soubesse que sua vida, aqui na terra, seria tão passageira, teria lhe dado mais atenção, teria feito algo por você, como você fez por mim e pelos outros. Estava sempre pronta para servir. Dinâmica, estudiosa e trabalhadora. Tudo que se propunha a fazer, exercia com muita coragem e perseverança.
De uma coisa tenho certeza, os anjos bons, que surgem em nossa vida, ficam conosco o tempo necessário para doarem o seu amor. Depois, desaparecem, porque estão destinados à outra missão. Não digo adeus a esses anjos, porque sei que estão zelando por aqueles que amam.
Conhecemo-nos na UFAL. Tínhamos sido aprovadas na prova de seleção para o curso de especialização em literatura brasileira. Foram, só, sete aprovados, e estávamos muito felizes. Começou daí nossa afinidade, porque existia sinceridade em nossas ações. Sabíamos extravasar nossas emoções e alegrias.
Às vezes, somos criticados por demonstrar alegria. Quem sabe, estes críticos sintam vergonha ou, mesmo por timidez, orgulho, escondem suas emoções. É uma pena, para eles. É prazeroso ser sincero, ser feliz.
Talvez, um sentimento de superioridade, não pular nem rir por uma grande alegria, é um sentimento menor. Evidencio isto, porque algo ficou marcado em mim. O fato de, alguns colegas aprovados, não reagirem da mesma maneira que eu e ela. No decorrer do curso, perguntavam se já nos conhecíamos há muito tempo, pois parecíamos almas gêmeas.
Foi uma batalha o nosso curso de especialização. Muitos livros para ler, fazer resenhas e ensaios, uma loucura. Os professores exigiam o máximo dos alunos. Quem entrou naquela guerra, teve que lutar ou desistir.
Estávamos no fim da caminhada quando ela engravidou. Mesmo assim, obteve êxito nas disciplinas. Friso isso como mostra de grande força de vontade da parte dela porque só ela sabia o que se passava em sua casa, em sua família.
Não morava em Maceió. Casada, com uma filha pequena, o trabalho, o estudo e sem o apoio do marido. Ele não aceitava o que ela fazia. Talvez, ciúmes, ou quem sabe, vontade de exercer o direito de posse, peculiar aos maridos. Não concluiu o curso, não encontrou mais condições para continuar. Nasceu a outra filha, tinha que se dedicar a sua família.
Ela, apenas se permitiu uma trégua, quando a criança cresceu, voltou a batalhar pelo que queria. Conciliava as coisas. Estudava, trabalhava, cuidava muito bem das filhas e de sua educação, pois são umas meninas lindas, estudiosas e educadas. O marido, também um trabalhador e batalhador, mas não a compreendia.
Continuava em sua árdua luta. Estava concluindo o curso de psicologia quando resolveu nos deixar. Foi, com certeza, enveredar outros caminhos, lá na eternidade. Como Romeu e Julieta se foram. Quem sabe encontrarão a paz que não tiveram aqui no espaço terrestre.
A certeza que seus amigos possuem é que, este anjo iluminou os caminhos de todos aqueles que tiveram a felicidade de com ela conviver. E como anjo não é para viver entre os simples viventes, partiu. Só que nos deixou muito cedo, ainda estávamos precisando de seus fluidos positivos.
Anjo luz. Chamo-a assim, porque tive a sorte de tê-la como amiga. A última vez que nos vimos foi em meu apartamento. Veio trazer um cheque, pois tinha vendido alguns livros meus. Fazia isso com tanto amor, não media nenhum esforço, mesmo vindo de São Miguel para Maceió.
Se todos tivéssemos o dom de ser luz, o mundo e as pessoas que dele fazem parte seriam mais iluminados e, na certa, para todas as dificuldades, haveria a solução aprazível. Ainda bem que, de vez em quando, temos a felicidade de conviver com anjos. Mesmo que os encontremos com raridade.
Suas filhas estão mocinhas, serão sua imagem e semelhança. De lá, do infinito, velará por elas, não existe dúvida sobre isso, pois se, com suas amizades, sabia ser amiga e fiel, com os frutos de sua alma, emanará toda energia positiva que um anjo de luz possui.

Olhai os lírios do campo, eles não fiam,
nem tecem,contudo, nem Salomão,
em toda a sua glória, jamais se vestiu
com tão grande beleza.

(Lucas, 12. 22)

Conto publicado em 27/08/06

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