PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Luciene Amaral da Silva

Quando ouvimos uma pessoa da nossa região pronunciando a palavra “oitcho” (oito) e “muitcho” (muito), começamos logo a criticar. No entanto, quando ouvimos uma pessoa ou que nasceu e mora no sudeste, ou que migrou para lá, falando “tchio” (tio), ficamos admirados pelo modo como fala. O “oitcho” e o “tchio”, não pertencem a mesma família silábica? Onde está a diferença? No preconceito linguístico.

Doutor em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), além de tradutor, escritor e lingüista, Marcos Bagno é autor do livro Preconceito Lingüístico onde nos propõe fazer uma reflexão sobre o preconceito que existe também na linguagem.

Existe uma regra clássica para a linguagem, que na verdade só existe uma língua se houver pessoas que a falem. O preconceito que foi criado sobre a linguagem, a forma como as pessoas falam, foi criada da confusão entre a língua e a gramática normativa. É preciso lembrar que uma gramática não é uma língua.

A língua é um iceberg que flutua e a gramática é apenas uma tentativa de descrever a pontinha mais visível desse iceberg.

O conceito de certo e errado, na linguagem, assume uma dimensão maior, pois a linguagem sofre várias interferências culturais, onde questões de gênero, classe social, nível econômico, possuem a função de fazer com que a linguagem varie. Sendo assim, não existe cultura superior ou inferior, como é pregado nas entrelinhas dos discursos burgueses, mas sim, existem culturas diferentes.

A norma culta que fora estabelecida por uma minoria para ser seguida por uma maioria, torna igual uma língua em um país totalmente miscigenado. Tenta-se enquadrar todos nessa norma culta e quem não se adequar a ela será excluído socialmente.

"É um verdadeiro acinte aos direitos humanos, por exemplo, o modo como a fala nordestina é retratada nas novelas de televisão, principalmente da Rede Globo. Todo personagem de origem nordestina é, sem exceção, um tipo grotesco, rústico, atrasado, criado para provocar o riso, o escárnio e o deboche dos demais personagens e do espectador. No plano lingüístico, atores não-nordestinos expressam-se num arremedo de língua que não é falada em lugar nenhum no Brasil, muito menos no Nordeste. Costumo dizer que aquela deve ser a língua do Nordeste de Marte! Mas nós sabemos muito bem que essa atitude representa uma forma de marginalização e exclusão." (BAGNO, p. 44)

É preciso desfazer essa ideia preconceituosa de que somente quem fala de acordo com a Norma Culta, de acordo com a gramática é que fala a nossa língua e é quem está certo. Pois o preconceito se baseia na ideia da existência de apenas uma língua portuguesa que deve ser ensinada nas escolas. Se faz necessário que seja ensinada a norma culta, mas não devemos desconsiderar a cultura local, o regionalismo cultural que influenciou a forma de falar de um determinado povo. Precisamos respeitar todas as culturas.

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