Conheci-o quando eu ainda era muito jovem em Santana do Ipanema, minha terra natal. Zequinha Boca Rica tinha como atividade lucrativa o jogo de dedais para apostas, que costumava instalar no meio das feiras livres da cidade e nas das cidades vizinhas. Bastava-lhe uma pequena mesa, forrada com pano vermelho, três dedais, uma bolinha branca e muita conversa para convencimento de pessoas ingênuas e curiosas.
Claro que a trapaça contava com o serviço sujo do tapeador.
Instalava-se Zequinha Boca Rica no meio de feira, punha a bolinha coberta por um dos três dedais, à vista do jogador, e fingia-se distraído. Nesse ínterim, o tapeador, rápido e sorrateiramente, levantava o dedal com a bolinha.
Pronto, jogo feito. Quem acertasse o dedal da bolinha, ganharia a aposta. Mas, sem ninguém perceber o truque, como numa mágica Boca Rica, em movimento rápido, trocava a posição do dedal.
Daí, enganado, o pobre matuto gastava seu dinheiro. Verdadeiro furto a céu aberto. Assim, Zequinha Boca Rica levava a vida. Nunca soube se ele tinha outro ramo de negócio.
Tipo esperto, boêmio, alto, magro, vestia roupa branca e chapéu de abas curtas, imitação do “Panamá”. Portava sempre uma faca bem afiada, de sete polegadas, na cintura sob um surrão de couro de jiboia, bem apertado. Arisco, Zequinha tinha rápidos olhares em sua volta, como se estivesse pronto para fuga a qualquer momento.
Certa vez, com alguns colegas do Banco do Estado de Alagoas (Produban), todos, à época, solteiros, estávamos num barzinho, ambiente não muito recomendável para todos nós, até perigoso, localizado por trás da casa “O Ferrageiro”, no caminho que dá para o Poço dos Homens, no rio Ipanema.
Era bem tarde da noite e a farra estava uma beleza. Bebidas à vontade, tira-gostos de todos os tipos, até prato de cágados. Ainda, música cavernosa em disco de vinil, extraída de modesta radiola do bar. As luzes vermelhas que iluminavam toscamente o ambiente não nos permitiam identificar quem ocupava as mesas próximas.
Para nossa surpresa, de repente surge à nossa mesa a figura de Zequinha Boca Rica. Apesar da penumbra, conseguimos identificá-lo. Em voz baixa, pede-nos que nos retiremos do recinto, imediatamente. “A conta vocês pagam depois”, disse-nos. Iria acertar umas contas com um inimigo que o ameaçava, que estava no local.
Não contamos conversa. Saímos rapidamente. Fomos parar nos degraus da igreja matriz de Senhora Santana. De lá dava vista para o beco de acesso ao velho cabaré, perto do Poço dos Homens. Em poucos minutos, passava o carro da policia em disparada, em direção do local.
Nunca soubemos o que aconteceu por lá. Nem sobre o final da vida de Zequinha Boca Rica.
Ele foi legal com a gente.
Maceió, 28/12/2020.
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