O CUIDADOSO FARMACÊUTICO
José de Melo Carvalho
Quando falamos sobre farmácia (botica), o que vem sempre à nossa mente são os remédios, o farmacêutico e a cura do doente. Segundo pesquisa, o mais antigo documento farmacêutico conhecido é uma tabuinha sumérica do terceiro milênio, 2100 a.C., contendo 15 receitas medicinais, descoberto em Nipur ou Nippur, uma importante cidade dos sumérios.
No Brasil o primeiro boticário foi Diogo de Castro, trazido de Portugal por Thomé de Souza, governador geral nomeado pela Coroa Portuguesa. A partir de 1640, as boticas foram autorizadas a se transformar em comércio, dirigidas por boticários aprovados em Coimbra. Esses boticários que obtinham sua carta de aprovação eram profissionais baseados na experiência, às vezes até analfabetos, possuindo apenas conhecimentos corriqueiros de medicamentos.
A passagem do nome de comércio de botica para farmácia surgiu com o Decreto 2055, de dezembro de 1857, onde ficaram estabelecidas as condições para que os farmacêuticos e os nãos habilitados tivessem licença para continuar a ter suas boticas no país.
A taça de Hígia, que trás a serpente enrolada nela, é reconhecida em todo o mundo como o símbolo da profissão farmacêutica. Sua origem remonta à mitologia grega, uma vez que Hígia, filha de Esculápio, era a Deusa da saúde e limpeza. Daí a palavra higiene.
Bom, agora vamos ao nosso tempo em Santana do Ipanema, cidade que dispunha somente de quatro farmácias. A mais antiga pertencia a Seu Coriolano Silvério do Amaral, Seu Carola, muito frequentada por jogadores de gamão. Se ele, o proprietário, estivesse jogando e perdendo, alguém que chegasse à farmácia para comprar remédios somente seria atendido quando o jogo terminasse.
A segunda, a Vera Cruz, pertencia a Seu Alberto Nepomuceno Agra, que contava com sua educação, experiência, forma e procedimento especial de atender os clientes. Conversava bastante sobre os sintomas, ouvia muito o paciente e depois receitava o medicamento que, na maioria das vezes, se chegava à cura. O autor deste texto, por exemplo, teve a oportunidade de ter sido receitado pelo referido farmacêutico, várias vezes e com sucesso.
A terceira, denominada Farmácia dos Pobres, pertencia aos sócios Genival Tenório, Seu Zeca Ricardo e Seu Aleixo Barros. Essa se destacava pela educação e zelo de Seu Zeca, possuidor de carisma especial, um largo sorriso e muita paciência. Algumas injeções em mim foram por ele aplicadas, não sentindo as dores que o medicamento me pudesse causar, principalmente uma ampola de Benzetacil, com o seu inconveniente de dor amenizado pela utilização de parte do diluente com xilocaína, um anestésico. E vale lembrar a praticidade de Seu Aleixo em aplicar injeções em moças, que mais parecia ensaio de tango.
A quarta farmácia pertencia a Hermínio Tenório Barros, conhecido como Moreninho, que chegou à cidade ainda em meados da década de 1930. Como em Santana do Ipanema, à época, não havia médico, Moreninho receitava, indicava remédios, curava doentes e fazia parto, salvando muitas vidas, tal o conhecimento que ele tinha de medicina.
À Farmácia Vera Cruz certa vez chegou um pobre matuto totalmente empachado, com dores na barriga e suando bastante. Passava mal e com ânsia de vômito. Queria uma injeção para curá-lo. Seu Alberto, com muita calma, perguntou-lhe o que tinha acontecido: se muito esforço fizera na viagem, se sentira dores de cabeça, etc. Chegou a perguntar-lhe, com muita insistência, se havia tomado café pela manhã. O pobre coitado respondeu com firmeza: “Não senhor. Não tomei café hoje.”
Tudo bem até ali. Seu Alberto consultou um livreto rapidamente e trouxe o estojo com a injeção já pronta e, não contando conversa, aplicou-lhe o medicamento. Foi tiro e queda. O paciente desmaiou, e foi aquela correria. A seguir, a ordem do farmacêutico: “Tragam a maca, urgente, e vamos deitá-lo de cabeça inclinada para baixo.” Em poucos segundos, o homem reagiu, voltando à normalidade. Sentou-se, mas o vômito súbito tomou conta do ambiente. E foi bago de jaca para todo canto. Desagradável odor impregnou a farmácia.
Daí, Seu Alberto, com muita paciência, voltou a dirigir-se ao doente: “Mas o senhor me disse, agora mesmo, que não havia tomado café!?”
Diante de tanta insistência, justificou o pobre coitado: “Verdade. Não tomei café, mas comi uma jaca inteira...”
Maceió, abril de 2015
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