DONA BRANCA

José de Melo Carvalho

Nos idos da década de 1960, chegava a Santana do Ipanema, oriunda de Pernambuco a família Rodrigues Siqueira, cujo chefe, o Sr. Elias, se fazia acompanhar da esposa, Maria Socorro de Jesus (Dona Branca). Acompanhavam também o casal pernambucano os filhos Erailde e Elizaldo; os demais, Eurico, Elias, Erivãnia, Eliezer e Erikson, nasceram lá na nossa terrinha.

Ele, o esposo, procedente de Brejinho, da mesorregião do sertão, e ela, a esposa, natural de Itapetim, microrregião do Pajeú, conhecida como “Ventre mortal da poesia”. O casal e família, instalaram-se, inicialmente, em casa alugada na Rua Delmiro Gouveia, antiga Rua dos Coiteiros (referia-se ao Cangaço), no bairro da Camoxinga, em Santana do Ipanema, destino escolhido para morar e começar nova vida de trabalho. Logo foram recebidos, como se esperava, pela hospitaleira comunidade santanense. O propósito do casal era trabalhar, desenvolver atividades, fabricar alguma coisa, para o sustento da família e desenvolver novas atividades para o sustento da família e educação dos filhos. Tratava-se de pessoas simples, modestas, educadas, de espíritos religiosos, trabalhadoras e de muita fé. Empreendedoras.

Elias e Dona Branca começaram, fabricando cordas da planta gravatá, de boa aceitação na praça. Depois, conseguiram montar um restaurante, bar (O Elite) e pensão na cidade com absoluto sucesso. A essa altura já contava, com ajuda dos filhos que iam crescendo. Muito frequentado, comida excelente sem falar dos petiscos e tira-gostos. Desde solteiro até mesmo depois de casado, frequentei, sobretudo o bar acompanhado de amigos e colegas de trabalho, bebericando “umas e outras”. Vendo crescerem os filhos do casal, acompanhei o trabalho de Seu Elias e o Dona Branca, proprietários.

Naquela época, festas tradicionais da cidade eram comemoradas, mesmo. Praticamente quase toda população participava dos eventos, sejam sociais, religiosos, cívicos e outros, sempre ao som da zabumba, sanfona, pífano, violão, viola, caixa, surdo, banda de Seu Miguel. Nos feriados e nos fins-de-semana, os bares eram praticamente o endereço certo para o pessoal de todas as idade.
Pois bem. A família acostumada ao dia a dia de trabalho, resolve deixar o comercio ora exercido e inovar com a instalação de uma loja de moveis (Hiramoveis); como o negócio deu certo, estendeu o braço em direção a Maceió, abrindo uma filial na Rua do Comercio. O restaurante, foi doado ao galego Têta, agregado da família.

Com muito suor e trabalho, horas e mais horas e horas de labuta, assim os anos foram se passando. Depois de muito tempo, a família achou por bem construir em terrenos, na Praia Lagoa do Pau, município de Coruripe, sul do nosso estado, belíssimos e confortáveis chalés, para alugá-los a quem se interessava pelo conforto e lazer de uma boa estada na conhecida praia alagoana. Dona Branca a partir daí incentivou a gente de Santana a adquirir terrenos nesse mesmo local. Com a presença dos santanenses nessa praia maravilhosa, comecei a construir minha dependência de veraneio ai, em 1999, certamente uma boa ideia.

A sua pousada, sempre foi destaque pois quando a gente comprava algo no comércio de Coruripe, que dependesse de entrega, era só indicar o ponto de referência: “Pousada da Dona Branca”. Pronto, estava resolvida a questão.

O tempo passa e como a vida é cíclica, Dona Branca, em comum acordo com o seu marido, resolve fazer a divisão do seu patrimônio, doando partes iguais aos filhos do casal e a outros Filhos do marido. Gesto incomum nos dias atuais, diga-se de passagem, merecedor de aplauso.

Quando foi inaugurada a Usina de Paulo Afonso, Memorial da Democracia, em 15 de janeiro de 1955, pelo então presidente da República João Café Filho, cuja construção da hidrelétrica deu-se durante o segundo governo de Getúlio Vargas e representou uma verdadeira revolução na infraestrutura do Nordeste, Luiz Gonzaga. o “Rei do Baião”,lança, então, a música, cantando: "Delmiro deu a ideia, Apolônio aproveitou, Getúlio fez o decreto e Dutra realizou". Essa foi a ideia que alguém teve de nomear uma das nossas ruas, no nosso conjunto Rio Lagoa Mar, na praia Lagoa do Pau, em nome dessa espetacular mulher, grande guerreira. Acredito que a Rua Dona Branca ficará com justiça, gravado por muitos anos, na memória dos moradores, na Praia Lagoa do Pau.
O idealizador dessa homenagem tem os seus méritos e bem assim alguém que a realizou, pois Dona Branca, revolucionou nosso condomínio; juntos, construímos o muro, a precária guarita, plantamos arvores, afora outros vários benefícios.

No Conjunto Rio Lagoa Mar, tudo era resolvido por Dona Branca, que fazia da sua casa, verdadeiro birô de serviços. Se ao conjunto faltava energia, por exemplo, ela ligava para Ceal, pedindo providencias; à frente sempre esteve em campanhas de ajuda aos pobres do lugar e costumava coordenar festas comemorativas do Natal, Ano-Novo, São João, São Pedro, Carnaval, aniversários, e vai por aí. Dona Branca faleceu, faz alguns anos mas sua ação social e seus bondosos gestos, no conjunto, na praia e no povoado, serão sempre lembrados.

Seu Elias, seu marido, sempre solicito e de boa vontade ajudava moradores, em conserto de bombas, instalações elétricas, de antenas, construção de cacimbas, serviços de serralharia, etc. Até mesmo conserto de veículos, de pequeno porte, ele consertava-os. Sempre tinha à disposição chaves, parafusos, materiais elétricos, e até um conjunto elétrico para encher, completar e calibrar pneus, além do fornecimento da energia, quando faltava na sua área. Pessoa simpática, educada, servidora, também. Afinal, quando alguém aparecia em sua residência, ele tinha a velha carraspana, de sua fabricação, à disposição do visitante para esquentar os apreciadores dessa bebida caseira à base de cachaça e de raízes de conhecidas arvores do sertão alagoano. Cidadão de bem, de verdade. Hoje reside em Maceió, com os seus familiares. Saudades.

Maceió, março de 2023

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