Vez por outra, lembro-me do cordial ambiente de trabalho que existia na agência do Banco do Brasil de Santana do Ipanema, nos anos de 1960 e 1970, por aí. Às vezes, nítidas imagens do trabalho, de colegas a postos com sua barulhenta máquina de escrever e da ansiosa clientela no outro lado do balcão ocorrem-me em sonhos. Sonhos bons, naturalmente, que me trazem boas lembranças do ontem, indicativas, como tais, de um despertar saudável para um novo dia esplendoroso.
Por essa época, criativos colegas tinham a mania de por engraçados apelidos nos funcionários que iam tomando posse na agência. Isso, claro, após dias do tradicional trote neles aplicados. Apelidos que eram simplesmente brincadeira, sem nenhuma maldade. Nada que pudesse ensejar desconforto ao novato colega.
O apelido de Doutor Negro-Preto, por exemplo, não incomodava o Esdras, colega educado e gentil. A ele pertencia, de fato, o “Doutor”, uma vez graduado em Odontologia. Já o “Negro-Preto” não pegava bem, porque nada tinha a ver com a cor de sua pele, levemente morena (tostada, certamente, do sol das praias alagoanas) e com seus cabelos pretos e lisos. Diríamos um gentleman afeito a brincadeiras.
Ontem, não. Hoje, sim. O apelido poderia até contrariar o espírito da Lei 12.288/10, que criou o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a promover a integração social da população negra no Brasil e combater as formas de intolerância étnica, a discriminação racial. Claro, nos idos de 1960 e 1970 essa lei não existia.
Deixemos, então, para trás os apelidos e os trotes, de boas recordações do ambiente de trabalho da agência do BB de Santana do Ipanema. O que desejava mesmo nesta conversa era tratar de Silvano Gabriel, querido e admirado confrade da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes, autor do livro O Escravo e a Sinhá (SWA Instituto Educacional Ltda., 1ª edição, Santana do Ipanema, 2017).
Romance bem pensado, com início, meio e fim, com enredo que o autor, afrodescendente, foi buscar na sombria história da escravidão brasileira, tardiamente extinta em 13 de maio de 1888. Escravidão que causou muita dor e sofrimento ao negro durante mais de três séculos.
Com todo interesse, li o livro de uma única assentada. Também empolgado com a urdida fabulação da romântica e heróica história do escravo Kairy e sua amada, a sinhazinha Mariana, com final feliz.
“Salve, salve”, afinal, como assim costuma dizer Silvano, poeta, ator e escritor santanense, cujo nome de batismo teria sido originário, segundo mestre Aurélio, das mitológicas divindades dos bosques e campos romanos.
Parabéns, confrade Silvano Gabriel.
Maceió, dezembro de 2019.
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