Uma decisão equivocada e absurda

Adriano Nunes

O desembargador Benedicto Abicair, do TJRJ, decidiu liminarmente que a produtora Porta dos Fundos e a Netflix retirem do ar o "Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo". Em sua decisão afirma que: "por todo o exposto, se me aparenta, portanto, mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do Agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar ânimos, pelo que concedo a liminar na forma requerida".

É preciso lembrar ao desembargador que o Estado é laico e que democracia não é o governo da maioria e, sim, de todos. Quer dizer que se for mais benéfico para a maioria, matar-se-ia a minoria? Quer dizer que se for benéfico para a maioria cristã,suprimir-se-ia a minoria não-cristã? Quer dizer que se for mais benéfico para a maioria esmagar-se-ia qualquer minoria? Este é um argumento utilitário que não mais se sustenta na modernidade das sociedades abertas, livres! É preciso ainda fazer lembrar-lhe que democracia não se confunde com religião, crenças, fé. Logo, não deve ser uma questão de benesse, de saúde, ou de segurança para a maioria cristã. Uma democracia constitucional faz-se mediante o respeito às liberdades e aos direitos das minorias, inclusive daqueles que não creem em absolutamente nada.
As religiões não podem escapar ou esquivar-se da crítica, pois são ideologias. Sendo ideologias, devem ser SEMPRE CRITICADAS, pois se não querem que pesem sobre elas sérias e graves suspeitas, têm que se sujeitarem à crítica, pois só assim podem requerer o devido respeito que só a razão concede.

Se a própria divindade não vem à Terra reclamar, queixar-se da ironia, da crítica, do filme, qual a prova material de que Deus deu a qualquer ser humano que este tem o dever social ou jurídico de representá-lo? Onde está a prova material de que Deus disse que quando ofendido, criticado, um ser humano tenha ad hoc direito de agir em seu nome, inclusive para censurar, intimidar ou mesmo matar? Como todas essas questões assentam-se na crença e na fé, como elas não têm fundamento lógico e racional, por que o que se quer configurar como uma ofensa a Deus abraça uma miríade de detentores de tal poder, se nem mesmo a existência de Deus é provada inafastavelmente?

Quando se procura dar credibilidade jurídica a ideologias para limitar as liberdades - inclusive as de crença e as de incredulidade - vê-se o quanto, em breve, legitimar-se-á juridicamente que "Deus mandou fazer isso", "Deus mandou executar aquele", "Deus mandou sentenciar", etc. Devemos ter bastante cuidado para não agirmos como moralizadores, querendo impor aos demais a nossa própria moral moralizadora, as nossas crenças. A Constituição Federal garante liberdade de pensamento, de expressão, crença e culto. Não dá garantias cogentes e implacáveis de imposição aos demais das próprias crenças!

Adriano Nunes

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