Guardo com muito cuidado um exemplar do livro Antologia Poética, 5ª edição, produzida pela Ediouro Publicações S.A., Rio de Janeiro, 1997, com 111 páginas recheadas de poemas, poesias, sonetos e crônicas, de autoria de Mário Quintana, considerado o “poeta maior do Brasil”, nas palavras do escritor e ensaísta Walmir Ayala, selecionador e apresentador dessa joia literária brasileira.
Recebi, em 20 de outubro de 2020, do colega e amigo Geraldo Mendes de Souza, residente no Recife, intelectual aposentado do Banco do Brasil, importante e-mail acompanhado de matéria escrita por Roberto Vieira, que tratou com clareza do triste episódio, segundo o qual o Hotel Majestic, de Porto Alegre, havia colocado no olho da rua, despejado por falta de pagamento, o consagrado poeta Mário Quintana.
Em Wikipédia, enciclopédia livre, encontro matéria do mesmo assunto, minimizando a lamentável ocorrência, dizendo tratar-se de conto fictício escrito em 2012, embora confirmasse que Mário Quintana, já idoso, de fato fora despejado do dito hotel quando o jornal “Correio do Povo” havia temporariamente encerrado suas atividades, por problemas financeiros, e Mário Quintana, sem salário, deixara de pagar o quarto.
Na verdade, a história é contada de forma diferente. “Na sarjeta aguardava o ancião. Paulo Roberto Falcão soubera do acontecido. Estaciona o carro e caminha até o poeta. Com as malas na calçada, Mário Quintana está desempregado, sem família, sem amigos.”
Falcão, como um “anjo da guarda”, coloca as malas no seu carro. Abre a porta e conduz Mário Quintana para seu Hotel Royal. Ao gerente, Falcão diz: “O Sr. Mário Quintana agora é meu hóspede.” Pergunta-lhe o gerente: “Por quanto tempo, seu Falcão?” Resposta de Falcão: “Por toda eternidade.”
Mário Quintana não era casado e não tinha filhos. Durante parte de sua vida morou em hotéis. Nasceu em Alegrete (RS) em 30 de julho de 1906 e faleceu em 5 de maio de 1994, em Porto Alegre.
Foi poeta, tradutor e jornalista. Embora como poeta modernista, sempre primou pelo soneto bem construído, impecável, com rígida estrutura formal, na métrica e no ritmo, sempre marcado por ironia, humor e simplicidade.
Disse Quintana, em texto para a revista IstoÉ, publicado em 14 de novembro de 1984:
“Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão.”
E disse mais: “... a poesia purifica a alma – e um belo poema – ainda que de Deus se aparte, sempre coloca o Poeta face a face com Deus.”
A Rua dos Cataventos, seu primeiro poema, foi publicado em 1940. Sua obra literária é fantástica. Cataloguei 28 obras poéticas, incluindo livros infantis, além de um sem número de antologias.
Por três vezes tentou ingressar na Academia Brasileira de Letras, sem sucesso. Convidado para candidatar-se novamente, recusou o convite. Nunca perdoou os acadêmicos, publicando, a propósito, o “Poeminha do Contra”:
“Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão!
Eu passarinho...
Em 1981, pelo conjunto da obra, a ABL agraciou o poeta com o Prêmio Jabuti; em 1966, foi saudado na Academia Brasileira de Letras por Augusto Meyer e Manuel Bandeira; e, em 1967, recebeu o título de doutor honoris causa da Unicamp e das universidades federal do Rio Grane do Sul e federal do Rio de Janeiro.
Tantas obras publicadas, tantas homenagens, tanta glória literária. Infelizmente, ao final de sua vida, o descrédito financeiro, sem salário, desempregado, sem família, sem amigos. Em boa parte de sua vida morou em hotéis. Agora, na rua, com seus pertences na calçada, despejado do Hotel Majestic, onde morava. O porteiro do hotel joga-lhe o agasalho que ficara esquecido no quarto do hotel: “Toma, Velho.”
O Hotel Majestic, considerado marco arquitetônico de Porto Alegre, em 1982 foi tombado pelo governo do Rio Grande do Sul. Agora é chamado Casa da Cultura Mário Quintana.
Afinal, chega-lhe Paulo Falcão, o “anjo da guarda” que acolhe Quintana, levando-o para seu hotel. Uma amiga que visitava o poeta nesse hotel, achou seu quarto pequeno. Resposta de Quintana: “Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que o quarto seja pequeno. É bom, assim tenho menos lugares para perder as minhas coisas.”
Maceió, 21 de outubro de 2023.
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