O CIRCO GARCIA

Djalma Carvalho

Em minha estante, em consulta a outros exemplares descubro o livro O Circo (Edições DAG, São Paulo, 1976, 327 páginas), de autoria de Antolim Garcia, que eu já havia lido fazia mais de quarenta anos.
Abri-o, carinhosamente, lembrando-me de algum lance pitoresco do conteúdo do livro e da história desse famoso circo do passado que encantou as praças por onde andou a partir de 1928, quando foi fundado.
Em abril de 1979, já morando em Maceió, fui assistir ao espetáculo do Circo Garcia quando de sua passagem pela capital alagoana, armado na Avenida da Paz.
Lá, sentado na plateia com a família, pus-me a recordar os espetáculos dos circos que visitavam Santana do Ipanema, a partir da minha juventude. De repente, uma jovem do circo chegou-se a mim, oferecendo-me para compra um exemplar do livro, escrito pelo proprietário do imenso pavilhão armado, experiente e festejado artista de longos anos de vida circense. O exemplar do livro não me veio autografado. Apenas, com letras tremidas, sem maiúsculas e sem vírgula, estava escrito na primeira página: “Maceió, Alagoas, 15/04/1979.”
No livro, as primeiras palavras do autor: “Até hoje nada se escreveu no Brasil sobre o circo, esse maravilhoso templo de teto e paredes de lonas, onde as crianças e adultos se completam. Aquelas, fascinadas pelo colorido da roupagem de seus artistas, estes, na contemplação da perfectibilidade dos jogos de músculos dos atletas anônimos, que compõem seus programas.”
Li o livro, encantado com o relato da pitoresca e dramática turnê que fizera o circo às Guianas, à América Central, África e a países asiáticos. Romanceando, o autor descreve paisagens e costumes dos povos que conheceu e, bem assim, aventuras, problemas, amores e paixões dos seus artistas vividos na excursão, sobretudo a peripécia do palhaço enganador, fugindo de sua namorada no dia do casamento marcado.
Na África, por exemplo, anotou práticas e hábitos exóticos da população negra, existentes durante a excursão. Bem possível que, com o sopro civilizatório dos tempos modernos, lá não mais existam esses hábitos. No Senegal, início da turnê, o negro defecava na rua ou na praia, sem cerimônia. Excrementos de elefantes eram recolhidos como remédio.
Em Abdijam, capital da Costa do Marfim, o cicerone era um negro gentil, alto funcionário do governo. Como amigo, o casal circense foi por ele convidado para almoço em sua casa. Eis o relato: “O cicerone, como bom muçulmano, possuía quatro esposas, quatro negras bonitonas, em pleno apogeu da juventude, que nos serviram os aperitivos com os troncos nus, conforme o hábito, deixando livres os seios rijos, empolados e agressivos, a trepidarem com seus movimentos.”
É controvertida a história da origem do circo. Ora teria nascido na Grécia antiga e no império egípcio, ora na Ásia. O certo é que sempre reuniu debaixo do seu imenso toldo, no seu pavilhão, não só fascinadas crianças, também adultos, todos empolgados com a coragem e diligência artística dos trapezistas, com os truques dos mágicos, com o desempenho em palco das belas bailarinas e com as piadas dos impagáveis palhaços.
Disse Analdino Rodrigues Paulino, prefaciador do livro: “Entre os anos de 1918 e 1938, o teatro teve sei apogeu no circo, época em que a peça teatral era a principal atração do espetáculo circense.”
Assim, encarregou-se o circo de difundir o teatro, levando-o ao grande público do interior brasileiro, atração antes reservada às elites das capitais e dos grandes centros urbanos.
O circo é, sem duvida, uma fonte de recordações. O adulto sempre carrega no coração um pedacinho de criança; na alma, as boas relembranças do tempo de criança, fascinada com as luzes multicores, com o colorido do circo e com as trapalhadas dos seus palhaços.
Descendente de espanhóis, mas paulistano do bairro Paraíso, Antolim Garcia (1904-1987) dedicou quase toda sua vida à atividade circense.
O livro foi escrito em 1962, mas somente publicado em 1975, quando o Circo Garcia completava quarenta e sete de vida. Pelo tempo decorrido, possivelmente devem estar esgotados exemplares de posteriores edições.
Relembro, agora, a leitura apaixonante que fiz do livro há mais de quarenta anos. Relendo-o, encantado, certamente estarei saboreando, logo mais, cada capítulo com a mesma motivação de outrora.
Em 2002, o Circo Garcia encerrou suas atividades. Todo o seu acervo histórico se encontra no Centro de Memória do Circo, em São Paulo, depositado em 2010.

Maceió, setembro de 2020.

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