Criado em 1892 pelo Barão de Drummond, o jogo do bicho, prática logo aceita pela sociedade brasileira em geral, tornou-se, ao longo do tempo, uma instituição nacional.
Citado por Fernando Fernandes (Google, 29/10/2014), o jogo do bicho até virou letra de samba de autoria da dupla Wilson Batista e Geraldo Pereira, gravado por Moreira da Silva: “Etelvina, minha filha!/ Que há, Morangueira?/ Acertei no milhar/ ganhei 500 contos/ Não vou mais trabalhar.”
Embora contravenção penal, por ser jogo de azar, o jogo do bicho, no entanto, intensificou-se pelo Brasil inteiro, sobretudo no interior do país, ao arrepio da legislação proibitiva.
Hoje, segundo a pesquisadora Maria Laura de Melo Souza, em “Jogo do bicho: Incógnita Brasileira”, trabalho publicado no Google em 04/11/2017, disse ela: “Já no que concerne à contravenção penal denominada de jogo do bicho, a atividade, por sua vez, é aceita pela sociedade e não há nenhuma vedação expressa na Constituição Federal/1988. Assim, verifica-se, de forma clarividente, que o princípio da adequação social é perfeitamente aplicável na atividade do jogo do bicho.”
As loterias federais, também como jogos de azar, funcionam normalmente, abertamente, calcadas em legislação específica, em vigor.
No início da década de 1950, o jogo do bicho era livremente praticado em Santana do Ipanema.
Por essa época, conheci o negro Zacarias, viciado em jogo do bicho, que vivia na esperança de um dia acertar no milhar. Um brincalhão da cidade contou-lhe o sonho (que nunca tivera), que se referia a um carro velho, enguiçado, que necessitava de reparo. O aborrecido senhor Carneiro, proprietário, teria dado a seguinte ordem ao seu ajudante chamado Leão: “Vá, seu veado, cara de vaca e filho de uma égua, procurar um macaco para levantar esta onça. Aqui, quem canta de galo sou eu!” Nessa ordem, o mentiroso sonho do brincalhão chegava ao vigésimo quinto bicho do jogo, deixando Zacarias apavorado.
Nessa conversa de “reparo de carro velho”, lembrei-me de Geraldo Mendes de Souza, querido e gentil colega aposentado do Banco do Brasil, residente na capital pernambucana, com quem, de vez em quando, troco telefonema ou mensagem pelo whats app, com notícias de lá e de cá.
A propósito, o pernambucano Joca Souza Leão inseriu no seu livro A Primeira Vez a crônica “Conferindo a Carga”, na qual trata da troca de telefonema, de forma esporádica, com seu amigo de estimação e de longa data de intimidade.
O genial cronista compara o contato com seu amigo ao do motorista de estrada que viaja logo atrás, para conferir a carga do caminhão que está na frente. Ao ultrapassá-lo, sinaliza para o motorista amigo, a dizer-lhe que está tudo em ordem, livre de assalto. Nessa mudança de posição dos caminhões, os motoristas vão conferindo a carga de um e do outro, pela estrada afora.
A troca de telefonema, não muito frequente, entre os dois bons amigos é conhecida como “conferir a carga”.
Diz-me Geraldo Mendes de Souza que o idoso deve, de vez em quando, visitar seu médico para avaliação da saúde, providência saudável também por mim tomada periodicamente. Acrescenta ele que a avaliação será entendida como “reparo de carro velho”. Ou, no dizer do cronista Joca, para “conferir a carga”.
Maceió, outubro de 2020.
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