Passando pelo bairro da Gruta, vi esse escrito em um portão. Pensei em amigos, no ato! Pensei o mundo. Fotografei-o. E, de imediato, também pensei neste pequeno texto (que escrevi no uber):
Muito se confundiu legalidade e justiça, principalmente na prática dos ordenamentos jurídicos. A lei em si nada tem de justa ou injusta, todavia pode ser justa (quando tenta corrigir ou atenuar, por exemplo, alguma desigualdade) ou injusta (quando tenta acentuar ou promover desigualdades). A problemática da desigualdade/igualdade é vazia de sentido se não responde, no mínimo, a 3 questionamentos: igualdade entre quem? Igualdade em quê? Igualdade com base em quais critérios? Isso Bobbio me ensinou. Sou-lhe grato.
A problemática da justiça é mais complexa, e as diversas teses e teorias ainda não chegaram a um consenso. Dizer isso, porém, não quer dizer que não haja justiça no mundo. A relação lei/justiça pode ser bem demonstrada, politicamente, através de seus extremos, isto é, em países totalitários (um conceito questionado por Domenico Losurdo e defendido por Hannah Arendt. Ambos gigantes!) e em países democráticos. E tal relação implica uma relação com a díade igualdade/desigualdade. Em Estados democráticos constitucionais, a lei tenta formalmente promover a igualdade de todos perante a lei. A grande questão é que, mesmo nas democracias, as leis são feitas por um grupo de políticos que procura, quase sempre, representar a si ou ao seu grupo ou aqueles com que ideologicamente simpatiza e/ou compactua. Quais são mesmo os detentores do poder para fazer leis? A questão da representatividade e do poder que emana do povo, ou melhor: de cada cidadão e de cada cidadã. Em Estados totalitários, a lei determina a igualdade de todos no sentido de que todos são submissos aos interesses do Estado, isto é, o Estado é detentor do monopólio político das liberdades. Todos são nada, neste sentido. Aqui, não se quer dizer que os cidadãos não sejam livres a ponto de não rebelar-se contra a tirania da ordem estatal. A autonomia permanece mesmo em tais Estados.
Essa mesma relação tem relação bastante forte com as esferas de poder e tipos de capitais, máxime com as classes dominantes, isto é, as que detêm o poder de decisões políticas e jurídicas. Em Estados democráticos, as leis podem ser mesmo injustas para uns em detrimento de outros. Pobres e pretos lotam presídios. As leis, por exemplo, que tratam estrangeiros de forma distinta dos nacionais podem ser consideradas leis "justas"? Mas este não é o cerne da problemática que tento traçar aqui. A imagem veloz dos dizeres no portão. A tentativa rápida de registrar aquilo.
Stalin foi um tirano. E, para ser um tirano, parece ser preciso ter astúcia e vontade de poder. Alguns veem-se como um deus ou representantes direto da divindade. Stalin queria ser cultuado como Lenin era. Chegou ao ponto de alterar o dia do enterro de Lenin para que Leon Trótski não comparecesse. Chegou a carregar o caixão de Lenin. Fez um funeral luxuoso e pomposo, ao contrário do que Lenin e esposa queriam. Cometeu barbáries, mas mesmo no século 21, na década 2000, pesquisas russas mostraram que 35% da população achavam justificáveis as ações de Stalin. E a mesma proporção admitira que gostaria de um líder como Stalin. Roosevelt se correspondia (ver o importante livro "My Dear Mr Stalin – The Complete Correspondence of Franklin D Roosevelt and Joseph V Stalin") com Stalin e o tratava como "my dear Mr Stalin" ("meu querido Sr. Stalin"). Quando Lenin morreu, Winston Churchill disse que para os russos, "their worst misfortune was his birth: their next worst—his death". Ninguém precisa ressuscitar ideologicamente tiranos e sequer ideologias tirânicas.
Quando a ordem se faz injusta e cruel, nada mais justo e humano que os cidadãos se rebelem contra ela. Porque o detentor legítimo do poder são os cidadãos e cidadãs. A foto diz muito. Todavia, devemos perguntar: em que sentido devemos compreender tal "desordem" para que ela possa ser um princípio de justiça? Que limites se impõem a essa desordem para que ela não se transforme no que ela quer combater? Como evitar durante a desordem o Estado selvagem hobbesiano? A História tem-nos dito mais. A lição de Hannah é um alerta: "onde as ordens não são mais obedecidas, os meios de violência são inúteis; e a questão desta obediência não é resolvida pela relação ordem-violência, mas pela opinião, e naturalmente pelo número de pessoas que a compartilham. Tudo depende do poder atrás da violência". Um amálgama complexo. O poder por trás da manutenção do status quo. O poder por trás da manutenção de outros poderes que legitimam desigualdades, arbitrariedades e abusos. A questão da legitimidade e da representação. A problemática da intolerância. A relação força-violência. Quase não consegui registrar a foto. O sinal fechou, e um carro veio rápido à minha direita.
Adriano Nunes
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