CORRENTE E PULSEIRA

Djalma Carvalho

Djalma de Melo Carvalho
Membro efetivo da Academia Maceioense de Letras

Desde muito tempo, costumo conservar em meus arquivos recortes de jornais nos quais encontrei matérias de autores diversos, quase sempre amigos, sobre assuntos palpitantes, de excelente qualidade literária.
Vez por outra estou a consultá-los.
Agora acabo de ler um deles, assinado pela saudosa amiga, jornalista, escritora e poetisa Arlene Miranda. Disse ela sobre Guimarães Rosa (1908-1967): “Algumas das características fundamentais da literatura de Guimarães Rosa são o realismo mágico que mistura liberdade, invenções linguísticas e neologismos.”
Dele recolhi para o início da conversa de hoje apenas três ditos populares, entre inúmeros, extraídos de diálogos dos personagens Riobaldo, Manuelzão e Miguilim: “Sapo não pula por boniteza”, “tristeza é aboio de chamar o demônio” e “na panela de pobre tudo é tempero.”
Pois bem. Foi Nelsinho Almeida, meu colega aposentado do Banco do Brasil, quem me lembrou o apelido do saudoso contínuo Agnaldo Teixeira Gomes. Decorridos mais de trinta anos, não mais me lembrava de como ele era tratado no dia a dia da agência Centro de Maceió, localizada na Rua Senador Mendonça.
Antolim Garcia, autor do livro O Circo e proprietário do antigo circo que levava seu nome, dizia que tratava seus artistas por apelido, porque “apelido é como tatuagem. Fica para sempre”.
Ele, o contínuo, estava sempre fora da agência. Seu serviço era externo. Resumia-se em fazer a entrega de avisos de cobrança, mensagens diversas ou documentos internos do relacionamento da agência centro com a similar externa, além de postos de serviço espalhados na capital de Alagoas.
O contínuo, do quadro de portaria, classe trabalhadora do BB, juntava-se a outros seus divertidos colegas de trabalho e se tornavam fonte inesgotável de histórias pitorescas e aventuras contadas em livros de crônicas publicados pelo Brasil afora. Excelente filão inspirador.
“Liga”, seu apelido, não era contador de histórias, mas apreciava ditos populares: “É lasqueira!” e “Estou mais quebrado que arroz de terceira.” De vez em quando, soltava outro para ambiente masculino, adulto, impublicável.
Via-o sempre fardado, apressado, suado, de gestos rápidos, com sua pasta de trabalho recheada de papéis. Sem nunca incomodar-se, era tratado na agência pelo apelido. Uma figura querida.
Respeitador. Educado. Tratava-me simplesmente por chefe. Nunca pronunciava meu nome.
Moço, alvo, corado, bem afeiçoado. Diziam os colegas de trabalho que “Liga” era namorador, mulherengo, embora fosse casado e pai de dois ou três filhos, já adolescentes.
Um dia, a tragédia. Acidente de moto roubou, traiçoeiramente, a vida do colega Agnaldo Teixeira Gomes, o “Liga”. Isso aconteceu lá para a década de 1980, por aí.
Quando sua família chegou ao local do triste acidente, a polícia já havia recolhido documentos, relógio, corrente de ouro e pulseira do acidentado. À família do morto, identificada suficientemente, o zeloso policial não entregou os pertences, sob a alegação de que somente o faria com autorização do delegado.
Retirou-se em seguida.

Maceió, outubro de 2020.

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