As eleições americanas

Adriano Nunes

Para o mundo, é importante que Trump perca. Dizer isso não significa dizer que Joe Biden é um salvador da pátria e muito menos da humanidade. Biden tem lá os seus defeitos pessoais e políticos. A derrota de Trump significa, de algum modo, a reabilitação da consciência democrática nos Estados Unidos e um passo para isso ocorrer em outras partes do planeta. Dizer isso também não significar dizer que Trump é o mal maior ou um mal qualquer ou simplesmente o mal contemporâneo. O trumpismo não se resume nem se reduz a Trump. Quaisquer análises sociológica, política ou histórica que pretendam conhecer, explicar e compreender um fato social por um único agente ou uma única causa estarão fadadas ao erro ou a incompletude, isto é, a uma compreensão falha ou defeituosa da realidade fatual. Trump não representa o conservadorismo e nem mesmo os valores republicanos. É tolice crer nessa perspectiva de representação. Espanta-nos, sob certa medida, como republicanos e conservadores compraram bem o trumpismo e aceitaram-no como se o trumpismo fosse conservador e republicano. No jogo político, parece que a vontade de poder é que mesmo impera: a oportunidade de mandar, governar, ditar regras, estar em evidência, liderar, impor a sua moral moralizadora, ter um séquito obediente, emotivo, acrítico. A Wille zur Macht se faz neste sentido. Trai-se até o mais firme ideal, a mais sólida crença, tudo se desfaz pela oportunidade do poder. Nessa perspectiva, então se apoia até o que não se compatibiliza com a ideologia defendida, ao que parece. Quantos antigos esquerdistas hoje são direitistas, até fanáticos? Também há a problemática da representatividade. Até mesmo democratas não se sentiram representados, por exemplo, por Hilary Clinton, e deixaram de ir votar ou votaram naquele que parecia romper com a velha política. A história está repleta dessas situações perigosas: na Itália, deu-se o fascismo e, na Alemanha, o nazismo. As crises de representação e os descontentamentos com as democracias liberais podem levar até a extremismos. A ascensão da extrema direita está-se dando por múltiplas causas e, aqui, não pretendo expô-las in totum. Fato é: quando a extrema direita se eleva, também há aumento da extrema esquerda. Os discursos extremistas tendem, assim, a invadir a arena política. Uns querem poder, outros querem ampliar a participação democrática, querem conservar a democracia como instituição humana, ainda que imperfeita, numa tentativa sociopolítica de melhorá-la. Trump alimentou o discurso schmittiano do “inimigo político”. As suas defesas explícitas do irracionalismo e todos os seus matizes, com as suas funestas consequências e do obscurantismo levam-nos a pensar que o trumpismo segue os mesmos rituais políticos de uma religião política. Os seus flertes com chauvinismo e xenofobias, supremacistas e racistas, a sua necropolítica, o seu desprezo pela democracia e suas instituições, o seu desdém da ciência, a sua ojeriza da comunidade internacional, o seu antiambientalismo humanitário evidenciam que Trump foi uma péssima escolha e ainda é. As suas alegações de melhora econômica e segurança são míticas. A economia americana não deu "aquele salto". A violência piorou, sob certos aspectos. A sua desumana e fracassada atuação na prevenção e combate da pandemia causada pelo coronavírus mostra como a sua política obscura se amalgama com o culto à violência e à morte. E, logo, percebemos que a sua agenda neoliberal foi só outro populismo desmascarado que tentou se revestir de liberdade, mas era apenas ódio ao estrangeiro, aos pretos, aos pobres. O alerta civilizatório vem sendo dado por inúmeras pessoas. Essa eleição dirá se os nossos esforços, enquanto cidadãos e cidadãs do mundo, valeram a pena.


Adriano Nunes

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