A DESPEDIDA DA DIVINA

Djalma Carvalho

Havia pouco tempo, o som do meu carro estava tocando canções românticas inesquecíveis na voz encantadora de Elizeth Cardoso, conhecida como a Divina, celebridade artística do passado recente, que faleceu em 1990. No automóvel ouvia canções que a consagraram, selecionadas em um álbum com cinco CDs históricos que chegou ao público após a morte da saudosa cantora. Referido álbum recebeu o título de “Elizeth Cardoso – Faxineira das Canções”.
Ao tempo em que ficava deslumbrado com tanta canção encantadora, lembrava-me do espetáculo musical a que eu havia assistido no Teatro Deodoro, naquele início de noite do ano de 1978. Totalmente lotado, o teatro abrigava um daqueles shows do chamado Projeto “Seis e Meia”, extensão, parece-me, do Projeto Pixinguinha criado por Hermínio Bello de Carvalho.
Com esse projeto, duplas de artistas consagrados no cenário musical brasileiro percorriam o Brasil, apresentando-se nas principais capitais. Maceió fora uma das capitais escolhidas. Às sextas-feiras, então, a partir das “Seis e Meia” (18h30m), o Teatro Deodoro recebia numeroso público.
Para ficar assegurada a minha presença nos imperdíveis espetáculos, logo no início da semana adquiria meu ingresso. Oportunidade que tive de conhecer consagrados artistas brasileiros e valores de Alagoas, estes que normalmente faziam a abertura de cada show. No palco, Ademilde Fonseca, Abel Ferreira, Simone, Zé Kety, Paulinho da Viola, Carmélia Alves, Gordurinha, Osvaldinho do Acordeon, Osvaldo Montenegro, Emílio Santiago, Ângela Maria, Cauby Peixoto, Sivuca, Glorinha Gadelha, João Nogueira e muitos outros astros da música brasileira.
Sentava-me em poltrona central, encantado com a beleza interior do teatro, palco, cenário, frisas, camarotes, gerais, coxias, o teto, belíssimos lustres, iluminação, e tudo o mais. Corria minha vista naquela obra arquitetônica de autoria de Luiz Lucariny, cuja fundação festiva ocorrera em 15 de novembro de 1915. Estava ali a lembrar que aquela casa de espetáculo conhecia a história de Alagoas. Abrigara as mais importantes manifestações artísticas, folclóricas, políticas e culturais. Acolhera famosas peças teatrais, óperas, comédias, musicais, convenções, colação de grau e também a solenidade de fundação da Academia Alagoana de Letras.
Então, voltemos à inesquecível Elizeth Cardoso, a Divina, de lindíssima voz, cantora que encantou o Brasil, nascida em 1920 e, muito jovem, começara sua gloriosa vida artística em 1936, descoberta por Jacob do Bandolim. Filha de mãe que gostava de cantar e pai seresteiro e violonista.
Sobre essa consagrada artista, disse Ricardo Cravo Albin: “Elizeth Cardoso não é só a mais completa cantora de música popular brasileira de nossos dias. É também uma extraordinária criatura humana.”
Consagrou-se como intérprete de samba-canção ao lado de Nora Ney, Dalva de Oliveira e Dolores Duran, com exaltação do tema amor-romântico, conhecido como dor de cotovelo. Ao lado do Zimbo Trio, Jacob do Bandolim e seu conjunto Época de Ouro, interpretou belas páginas musicais, como Canção de Amor, Nossos Momentos, Noites Cariocas, Feitio da Vila, Luz e Esplendor, Barracão, Chão de Estrelas, Carinhoso, Lamento, Serenata do Adeus, Valsa do Adeus, Até Amanhã, Chega de Saudade, entre outras.
O título de Divina fora-lhe outorgado por Haroldo Costa, ator, escritor e produtor artístico. Lançou mais de 40 LPs e outros gravados em Portugal, Venezuela, Argentina, México e Japão. Nesse país asiático, que visitou por três vezes e onde era ovacionada, havia um bar (“pub”) com seu nome.
Naquele show de Elizeth Cardoso, em Maceió, a cada canção o Teatro Deodoro parecia desabar com a profusão de aplausos. Ao final de sua apresentação no espetáculo, com o público de pé, agitado, gritando e continuando a aplaudi-la, dirigia-se ela aos bastidores ou camarins, deixando o palco, a passos lentos e cariosamente acenando para o público.
De repente, um grito do alto das gerais ou camarotes irrompeu em meio aos fervorosos aplausos da plateia: “Mais uma, Elizeth!”
Elizeth Cardoso fez pequena pausa na caminhada e voltou ao microfone. Em tom de despedida, disse ela: “Meu jovem, não posso deixar de atender ao seu pedido. Não sei se voltarei a Maceió.” Emocionada, cantou, seguidamente aplaudida, o último número do histórico show.
De fato, era a despedida da Divina.

Maceió, março de 2020.

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