MANÉ BOLOLÔ

Clerisvaldo B. Chagas

MANÉ BOLOLÔ
(Clerisvaldo B. Chagas. 14.4.2010)

A memória canalizada permanentemente com o passado, mostra as areias do rio Ipanema da antiga perfuratriz. A perfuratriz era uma engrenagem dentro de um prédio quadriculado de estilo único, situada a margem esquerda do rio. Dali mandava água para outro prédio situado no Bairro São Pedro, acima, a cerca de quinhentos metros, através de tubulações. Os tubos subiam pela Rua São Paulo até encontrarem o prédio que fomentou o algodão na área sertaneja. Esse prédio que fez história em Santana está sendo devorado pelo tempo. Inclusive com um tanque enferrujado que dizem ter sido do primeiro corpo de bombeiros da cidade. Da antiga perfuratriz ─ que sempre foi ponto de referência em Santana ─ não resta sequer a foto. O seu lugar exato era onde hoje inicia a Rua da Praia. Ali nas imediações as cheias do Panema sempre deixavam bons areados para a prática do futebol. Aos domingos, toda a rapaziada das imediações procurava a perfuratriz para um dia inteiro de pelada.
Como em alegria de brincadeira nunca deixa de aparecer encrenca, certa vez, com os nossos dez ou onze anos, surgiu uma comigo e o meu irmão Erivaldo. Erivaldo não era mole. Sempre foi guerreiro. Mas acontece que havia o Domí-cio, rapagão feito, filho do soldado Joaquim Manoel, vizinho nosso de umas dez casas. Ora, o Domício, para nós, era velho e parrudo. Tinha o apelido de “Domício Grosso”. Por isso ou por aquilo ameaçava nos bater. E naquela pre-leção de bate, não bate, aproximou-se dele um sujeito que morava à Rua São Paulo, chamado “Mané Bololô” e montou-se às costas de Domício. O pau can-tou e, o valentão Domício Grosso levou uma pisa da peste! Houve aplausos para Mané Bololô. Após a surra, Mané ainda recomendou ao Domício passar sempre por longe de nós. Qualquer coisa, por pequena que fosse, queria sa-ber. Não tenho certeza se esses personagens da minha infância ainda vivem. Soube apenas que Domício virou soldado como o pai e trabalhava lá para as bandas de Paulo Afonso. Do nosso anjo da guarda Bololô, nunca mais obtive notícia.
No decorrer das nossas vidas, vamos sempre encontrando valentões como Domício Grosso. Quando não podem bater com braços e mãos, atacam com a língua, infeliz arma dos covardes. Outros ainda usam métodos esdrúxulos co-mo semeadura de pedras e omissão. De qualquer maneira, dizem os espíritas (com outras palavras) que deveremos dar graças a Deus pelas barreiras que nos ajudam à perfeição. Quando tudo parece bem na vida, somos obrigados a enfrentar porcos e cães. Mas a caravana continua sua marcha porque Deus não abandona os dele, assim como teve com Elias, com Eliseu, com Jacó... Os cordatos não buscam vingança, querem apenas justiça. E de vez em quando o Filho do Homem entrega mais um da lista de justiça feita. Quem está no sangue do Pai nunca encontra um Domício Grosso sem que não apareça mais um anjo de guarda MANÉ BOLOLÔ.

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