SÃO JOÃO ELETRÔNICO

Antonio Machado

SÃO JOÃO ELETRÔNICO
Antonio Machado.
Os hagiógrafos (os que escrevem a vida dos santos) não vão encontrar a história desse “São João eletrônico” para escreverem sua vida santa ou pregressa, em vista de não se referir a figura singular, santa e querida de São João Batista, primo em segundo grau de Jesus, mas a crônica se prende ao período junino, e ainda se dá ao luxo de tecer um paralelo entre o São João de ontem e o de hoje, que mesmo diante de um diapasão paradoxal, não possuem a mesma tonalidade, cada tempo dentro de seu compasso.
O São João do passado era mais rico em poesia e beleza, as músicas possuíam encanto e eram magistralmente bem executadas, num ritmo que contagiava a todos, e ainda mexia com o coração das pessoas, isto sem ser saudosista nem piegas, mas vendo as coisas por um ângulo bonito, com músicas sem duplo sentido, nem palavras obscenas, mas inspiradas na grandeza do amor, na natureza, nas tardes sertanejas, nas pegas de gado do Nordeste, e próprio período junino já se constitui uma fonte de inspiração. Quem não se emocionou ouvindo Asa Branca, do Gonzagão, o Trio Nordestino, Zé do Pife olhodaguense, Marinês e sua gente, Coronel Ludugero e Otrope, Jackson do Pandeiro, Jacinto Silva , com seu samba sincopado, Os Três do Nordeste, Roso do Acordeon, Anastácia e tantos outros ícones da música nordestina, que nas composições magistrais de Humberto Teixeira, o doutor do baião, Onildo Almeida, Zé Dantas, Rosil Cavalcante, Isvaldo Santos, olhodaguense, e outros da mesma bitola, que a mídia tenta de todo custo esquecer, descaracterizando o São João autêntico, incutindo nos jovens um São João eletrônico, com banda de forró de péssima qualidade, porque a maioria dos vocalistas dessas famigeradas bandas, não possuem voz, esguelando-se, e acabam miando, com uma voz feia estridente, quando não gutural. E até se chega ao cúmulo, pasme meu leitor, (pois só tenho um mesmo, que sou eu), em pleno São João, contrata-se um tal de DJ. Para tocar, que falta de sensibilidade artística e de bom gosto, mas tem que ser assim para estar na moda, e não se perder o prestígio. Hoje se toca o que se está na moda. Os sanfoneiros podem arrumar seu matulão e ir embora, suas músicas são hoje quadradas, não serve mais, tudo foi engolido pela famigerada eletrônica, e o metal.
Deve estar triste mesmo a Açum Preto, chorando de dor,a Asa Branca bateu asa, agora, de verdade, não volta mais, o vem-vem continua esperando, e por fim não chega ninguém, Patativa do Assaré, o gênio analfabeto, escreveu, e o Gonzagão imortalizou a triste partida, que por seu valor cultural e poético, constituí-se um hino nacional nordestino, parodiando esse genial poeta, o poeta Colly Flores, escreveu: “é triste se vê/ o sanfoneiro tão forte e tão bravo/ morrer como escrevo das bandas de forró...”.
Não tem mais jeito que dê jeito, agora é assim, não adianta tentar reverter o quadro. Os balões estão proibidos, os fogos de artifício estão ameaçados de extinção, o pagode autêntico resta poucos exemplares, salve-se o coco de roda. E a quadrilha? Essa coitada, está tão arremendada, tão enxertada com tantas inovações de sexo e safadeza, que faz corar até o mais sisudo dos expectadores, mas nada disto impede que se tenha um São João bonito, vamos resgatar nossa cultura, mostrando ao povo que ela não morreu, está viva esperando uma oportunidade para voltar a tona.

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