CRÔNICAS QUE O TEMPO NÃO APAGOU

Antonio Machado

Ao longo dos anos, li com vivo interesse as crônicas escritas, com prodigalidade, nos jornais da Província Caeté, do inolvidável homem das letras, Dr. Aldo Rubens Flores (1932-2001), dizem os literatos que a crônica é uma variante entre a literatura e o jornalismo. Sempre acalentei o desejo de conhecer esse mestre e artífice da crônica alagoana. Porém numa viagem que fiz recentemente, sentei-me lado a lado com a Dra. Mayra Flores, moça de fino trato e sólida educação, e no pavio da conversa, ela se disse ser neta do Dr. Rubens Flores, o mestre da crônica, e me ofereceu seus livros. No mesmo dia li dois, A borboleta azul e Pedaços de saudade, os dois livros enfeixam cerca de setenta crônicas, focando os mais diferentes temas, sendo o amor o assunto predominante, sempre permeados da poesia, não uma poesia que rima, mas está nos interstícios da prosa. Adelino Moreira escreveu e Nelson Gonçalves cantou: “poeta é/quem vê poesia nas flores/e olha a vida por um caleidoscópio de cores,/ poeta é quem tem imaginação,/ e sabe que os olhos da alma/ são as janelas do coração”. Dr. Rubéns Flores, de saudosa memória, via a vida por esse prisma, nessa dimensão, que só os poetas veem, levando Artur Cabrelot, escrever que: “a crônica é a canção da literatura”.
Esse cantor telúrico das crônicas soube imprimir no papel, com o cinzel da saudade fluída do coração, as mais belas páginas literárias, deixando-as como pegadas para o leitores que vieram depois.
Referindo-se a saudade, escreveu o vate Antônio Pereira: “se quiser plantar a saudade,/escalde o bem a semente,/ plante num lugar seco,/ onde o sol seja bem quente,/ pois se plantar no molhado,/ quando crescer mata a gente”. O florilégio de crônicas que compõem estas duas obras, possui a magia de prender o leitor do começo ao fim, dada a leveza e a suavidade que vai emergindo ao longo das crônicas tão bem emolduradas ao longo que vão sendo feitas. Ler as belas crônicas do Dr. Aldo Flores, é recordar a suavidade da saudosa cronista Cely Loureiro, que escrevia com a pena do coração, outro doutor da crônica, fora Medeiros Netto, o maior cronista de Alagoas, Félix Lima Júnior, que deixaram páginas memoráveis dentro da literatura alagoana, e hoje afloram nesses jornais cronistas da estirpe de Laurentino Veiga, Dona Lizete Lyra, Dr. José Medeiros, Dr. Jair Pimentel e outros que aprenderam, como fiandeiros, a fazer crônicas, espelhando-se nesses ícones do passado.
Escreveu Dr. Aldo Flores “sou um caminhante solitário onde amplio saudades, incenso dúvidas, reproduzo iniquidades, no meu andar silente sempre tenho recordações e percorro também caminhos interiores, e nessas lembranças encontrei você...” (está no seu olhar, do livro A borboleta azul, pág 430 oc.). E segue por esse corolário de belas crônicas escritas ao sabor do tempo em momentos diferentes, vendo a vida com seus avanços e recuos como as ondas do mar da Ponta Verde e no farfalhar dos coqueirais da Pajussara, que tanto inspirou e afervorou o telurismo do cronista.

E quando a profissão de Promotor de Justiça, o aposentou, deixou o cronista livre para voar como a Borboleta Azul de seu livro. Dedicou-se com mais afinco aos seus escritos, como a dar asas a imaginação, fluindo-lhe ideias mais sólidas consistentes, porque a idade é como o vinho, o tempo azeda os ruins, e aperfeiçoa os bons, por isto escreveu Ebner Eschenbach: “na juventude aprendemos, na maturidade compreendemos”. Por isto e muito mais, sou grato a Dr. Mayra Flores, neta desse grande cronista Aldo Flores, por me fazer conhecer mais e melhor, a vida literária desse êmulo da cultura alagoana. As crônicas, quando bem feitas, tornam-se imortais como seus autores, perenizando-se no tempo e se condensando na história.

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