Os bolsonaristas sustentam-se emocionalmente e moralmente uns aos outros. Em seus grupos fechados de whatsapp, compartilham fake news e notícias que apenas ainda os contentam e os iludem. A realidade não lhes interessa. Ela os fere, pensam. Porque muitos deles inventaram uma outra realidade em que a terra é plana, em que o inimigo maior é o comunismo, mas não só.
Incapazes de reconhecer que apoiaram todo o horror e absurdo que aí está, tudo de grotesco que se vem desenhando no cenário nacional, incapazes de querer enxergar o estado autoritário, fundamentalista, preconceituoso, moralizador e sob diversas suspeitas mesmo graves, eles recorrem justamente a argumentos que criticaram quando na era petista. Vou reforçar-lhes a memória: durante os escândalos do mensalão e petrolão ficavam indignados (seletivamente, claro, como a história vem demonstrando!) com o argumento da cúpula petista de que "não sabia do que estava acontecendo". Agora, lançam mão do jargão: "votei no pai e não no filho!" como se a linha entre um e outro fosse tão nítida e intransponível. Rejeitam as evidências de corrupção como se "corrupção" fosse o menor dos crimes, como se a corrupção fosse menos danosa do que ser de esquerda. Lembrem-se de que parte da esquerda criticava abertamente o governo petista. Tudo que se desvencilha da crítica deve ser tomado como suspeito.
Assim, ante as múltiplas acusações e fatos que há muito estão vindo à tona, pergunta-se: até quando vão continuar a fechar os olhos para os ataques às universidades federais, às artes, às ciências, aos professores, aos negros, aos LGBTQ+, aos índios, ao meio ambiente, à saúde pública? Até que ponto irão abraçar as grosserias e perseguições à imprensa feitas pelo Chefe de Estado, porque este odeia a crítica, o questionamento, a verdade pública? Até quando vão negar cegamente as verdades fatuais, a história como fundamento para a realidade? Vão relativizar as milícias e toda a sua estrutura criminosa? As evidências mostram o quê?
Não é preciso, óbvio, condenar ninguém sem julgamentos justos, mas não dá para pôr a crítica de lado. Numa democracia, liberdades de expressão e crítica servem para expor os arbitrários atos de quaisquer governos. Deve-se permitir, no mínimo, a algum tipo de questionamento: "por que isto?", "por que fez e faz isso?", "será mesmo"?, etc. Permitir-se à dúvida ainda que ela venha a dilacerar os nossos anseios de realidade e sonhos, ainda que faça tudo ruir e doer!
Será então que vocês, bolsonaristas, vão continuar a relativizar os péssimos índices econômicos que se desenham já há 1 ano? Continuar a relativizar aumento dos preços de diversos produtos, a alta do dólar, o preço da carne, da gasolina, do gás? Sempre vão achar desculpas para iludirem-se porque têm medo e vergonha de reconhecer que foram humanos e erraram? Vão continuar a acreditar na extrema direita como salvadora da pátria e da democracia? A extrema direita que sempre agiu de forma autoritária, racista, misógina, homofóbica, antissemita, na história do mundo?
Não bastam as indicações desmedidas para áreas do Governo que merecem pessoas realmente capacitadas e sem um viés de intolerância, sem que tentem impor a todos uma moral moralizadora? Não bastam as nítidas tentativas de nepotismo? Com medo da desilusão avassaladora, os bolsonaristas agarram-se ao que ainda têm: a fé numa religião política, na crença de que somente assim a esquerda será destruída. Que tolice! Todos que assim pensaram no decurso histórico falharam! É uma luta inútil e desnecessária!
Enganados na própria tolice e covardia, buscam-se uns aos outros envergonhados de si como se tivessem um fio de Ariadne rompido e, por isso, negam-se a sair do labirinto de horrores. Como alguns permanecem receosos de admitir a falha fatal que cometeram, com medo das cobranças externas, preferem pois seguir rumo ao abismo do nada, arcando com as consequências funestas, ainda que essas atinjam a todos.
O bolsonarismo é uma falha moral acrítica. Surgiu como uma forma de repúdio à corrupção de parte da esquerda. Hoje, sustenta-se no mito de que tudo dará certo porque se for antiesquerda dará certo. Que bobagem! Ao que os fatos reais indicam, nunca dará certo, sob esta perspectiva! Autoritários, dogmáticos e demagogos nada de democrático têm a oferecer.
Não se constrói uma democracia livre, com respeito e preservação das liberdades, com pessoas autoritárias e impregnadas de rancores e ódios. Os liberais que apoiaram tudo isso já devem estar com vergonha do que fizeram. Uns já conseguem criticar o que aí se apresenta. Outros, presos à ideologia e à hipocrisia, silenciam.
Como abrir bem os olhos em situações desumanas e cruéis? A história pode dar dicas, pistas, exemplos, trazer algumas reflexões. Mas o papel do presente é demais importante: ver o agora, pensar o agora, sabê-lo, compreendê-lo, pode engendrar um meio racional de não mais ficar a defender o indefensável.
Se ainda resta consciência a algum bolsonarista, deve ser muito doloroso para ele enxergar a si no espelho da realidade das coisas, dos acontecimentos. Deve ser cruel ter que encarar e enfrentar o fiasco da escolha que fizeram. Se não havia escolhas, como alegam, será que era mesmo preciso a escolha do que se apresentava como o menos democrático, o menos apegado à tolerância e às liberdades? Será que seria mesmo necessário flertar abertamente com o horror? As evidências, os discursos, as práticas, as posições defendidas antes já não demonstravam ou indicavam, de algum modo, tudo que estaria por vir? Ou vocês, bolsonaristas, são o que são e amam a irracionalidade, tudo que se finca no status quo? Deem uma chance a vocês mesmos: passem a questionar as próprias escolhas! Não se surpreendam se o arrependimento os atingir em cheio.
Adriano Nunes
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