Blog: Faltando um pedaço

Literatura

Por Joâo Neto Félix Mendes

O ônibus da autoviação princesa do agreste seguia noite adentro. Seus faróis eram a única garantia de vencer a escuridão. Os fachos de luz atravessavam impiedosamente a poeira que pairava no ar. Os solavancos do veículo na estrada de terra acordavam os passageiros de instante em instante. Sobressaltados e insatisfeitos se entreolhavam reclamando da falta de cuidado do motorista que vigiava atento o caminho que nos levava a Palmeira dos Índios, mas pouco podia fazer para aliviar os sacolejos da estrada esburacada.

Meu medo era outro. O mistério do breu que envolvia a viagem. Minha segurança era o amparo da minha mãe. Ao seu lado eu tinha a coragem estática dos heróis dos gibis. Enquanto não adormecia, mesmo amedrontado, insistia em olhar pela janela a paisagem oculta pelo manto das trevas. Algumas poucas luzes piscavam ao longe como faróis a alertar dos perigos iminentes. Mal sabia eu da relatividade das coisas; a escuridão que me assombrava, dava vida às criaturas noturnas: “Toda noite no sertão, canta o joão-corta-pau, a coruja mãe da lua, a peitica e o bacurau...” Não fosse a noite, o dia de trabalho seria martírio infindável e o descanso, longe, muito longe.

Chegamos há pouco. Ainda era madrugada. O movimento da plataforma da estação ferroviária era novidade para aquele menino. Alguns vagões já estavam alinhados sobre os trilhos. As locomotivas se movimentavam lentamente de um lado para outro, enquanto outra entrava na rotunda para alterar a rota da viagem. O próximo trecho seria de Palmeira dos Índios a cidade de Porto Real do Colégio, passando por Igaci, Arapiraca, Lagoa da Canoa e Campo Grande.

Dirigimo-nos ao guichê para a compra dos bilhetes. O vendedor devidamente fardado e engravatado, exibia com altivez seu quepe de general com o brasão da Rede Ferroviária Nacional. Enquanto aguardávamos, sentamo-nos, aguardando o embarque. Não demorou muito para que a locomotiva à marcha ré e fizesse o acoplamento com o comboio provocando um grande barulho.

A ansiedade era intensa, pois ali era local de encontros e despedidas. Alegria e tristeza se revezavam ao bel-prazer do acaso.

Após o embarque, o chefe de trem passou para pelo recolher as passagens e conferir os últimos procedimentos antes da partida. Trazia consigo a máquina reluzente e inoxidável que perfurava e picotava, um a um, os bilhetes dos passageiros.

Lançando sua fumaça e seus apitos, a Maria Fumaça iniciou a viagem lenta, cadenciada, atravessando o sereno da madrugada que parecia infindável. Enquanto se afastava, nova cerração surgia e o que ficava pra trás era encoberto pelas brumas.

Chegamos a ribeirinha cidade de Porto Real do Colégio, última etapa do percurso sobre trilhos. A travessia do Rio São Francisco era feita nas lanchas que partiam o todo instante a cidade sergipana de Propriá.

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