A DIFERENÇA ENTRE A COINCIDÊNCIA E O MILAGRE É A FÉ

Pe. José Neto de França

Em uma segunda-feira, de manhã, enquanto dialogava descontraidamente com dois amigos, um estudante de medicina e a secretária de seus pais; entre uma conversa e outra, cujos conteúdos abordavam temas como literatura, medicina e fé, uma das frases dita por meu amigo me chamou a atenção. Disse ele: “- A diferença entre a coincidência e o milagre é a fé”.

Como já sou sexagenário, para não correr o risco de esquecer a frase, ao final da conversa, a copiei em um pequeno papel, coloquei-o no bolso e fui cuidar de meus afazeres do resto do dia.

Ao entardecer, já em casa, tirei o lembrete do bolso, reli, ri e resolvi produzir esse texto.

Muito bem! Vamos lá...

De forma geral, o termo “coincidência” é um substantivo feminino e significa “igualdade, identidade de duas ou mais coisas, ocupação do mesmo espaço, justaposição...”

Já o termo “milagre” é um substantivo masculino e significa “um ato ou acontecimento fora do comum, inexplicável pelas leis naturais, algo que está além da compreensão lógica...”

O termo “fé” é um substantivo feminino. No catolicismo uma das três virtudes teologais - as outras duas são “esperança” e “caridade”. A “fé natural” é aquela que depende de evidências lógica – exemplo: quem planta feijão não colhe outra coisa, senão feijão... Essa fé, a natural, nascemos com ela. A desenvolvemos segundo nossa própria vontade. Por outro lado, a “fé sobrenatural” não se prende a lógica ou a razão humana, isso porque ela é dom de Deus. Essa nasce e vai evoluindo a partir a crença em Deus, sua Palavra, suas promessas... Na verdade, a fé sobrenatural faz o fiel, além de acreditar piamente em Deus, ver, ouvir e sentir aquilo que esteja nas chamadas “entrelinhas” dos acontecimentos naturais. A carta aos Romanos, 11,1 diz: “é uma posse antecipada do que se espera, um meio de demonstras as realidades que não se veem.”

Sendo Sacerdote, ouço muitas histórias de superação; relatos de pessoas que passaram por alguma situação limítrofe – entre a vida e a morte. Por mais que esses relatos sejam extraordinários, impressiona mesmo que viveu cada história. Eu já vivi.

Foi assim:

Tendo decidido pela vocação sacerdotal, depois de acompanhado pelo pároco de São Cristóvão de Santana do Ipanema, Monsenhor Delorizano Marques da Rocha; apoiado pelo Bispo Dom Fernando Iório (in memoriam) e aprovado no “vestibular” obrigatório para ingresso no Seminário Arquidiocesano de Maceió, Nossa Senhora da Assunção, aos 27 de abril de 1988, lá estava eu para o Ano propedêutico e na sequência, Filosofia e, depois, Teologia.

No dia 27 de abril de 1988, à tarde, todos os seminaristas participaram de um mutirão retirando as madeiras e entulhos do antigo piso do primeiro andar, do prédio principal do Seminário, que estava passando por uma reforma. Eu estava com uma intensa congestão nasal, não somente por causa da poeira resultante da demolição, como também por causa da reação de uma vacina que havia tomado, pela manhã, contra a gripe. Por isso espirrava muito.

À noite, após a oração das completas, conforme horário e disciplina da casa, me recolhi. Como estava muito cansado, adormeci rapidamente.

Era madrugada, aproximadamente 3h15, quando acordei e senti algo estranho, adocicado, na boca. Instintiva e imediatamente cuspi.

Levantei, ascendi à luz e vi que era sangue. Fiquei apavorado! De onde vinha esse sangue? Por que não estava sentindo nenhuma dor?

Acordei meu companheiro de dormitório e ele foi chamar o vice-reitor, Pe. Manoel. O reitor, Pe. Delfino, por motivo de viagem, não se encontrava na casa.

O Pe. Manoel e dois seminaristas me levaram até o pronto socorro. Lá fomos informados de que os médicos estavam em greve. O atendimento foi prestado por alguém da saúde, acho que um enfermeiro. Ele simplesmente aconselhou o vice-reitor a me levar de volta ao seminário e a me deixar em observação. Um provável diagnóstico, segundo ele, seria o de tuberculose. Se houvesse mais sangramento, me levasse ao Hospital de doenças tropicais.

De volta ao seminário, fui transferido para a sala onde funcionava a “enfermaria”, na parte do pavimento superior, onde ainda não tinha sido retirado o piso.

Ao amanhecer do dia 28, o reitor chegou de viagem e foi informado desse problema. Ele permitiu que eu participasse normalmente das aulas daquele dia, mas permanecesse, nos intervalos, recluso na enfermaria. Inclusive, minha alimentação deveria ser feita também naquele ambiente.

Assim, passei o dia. Fisicamente sem qualquer alteração, nenhuma reação fora do normal... Mas psicologicamente abalado, principalmente pela suspeita de “tuberculose”, levantada pelo servidor da saúde, no pronto socorro. Questionava-me: “- como pode ser tuberculose, se não tive um retrospecto histórico de perda de peso, tosse seca, como é comum numa pessoa com essa doença, antes de ter uma hemoptise?”

No final da tarde, um dos seminaristas trouxe meu jantar. Tomei minha sopa com a metade de um pão francês, uma xícara de café e em seguida, deixei a mesa de refeição e fui me sentar numa espreguiçadeira.

Ao me acomodar, senti uma leve falta de ar. Tossi e comecei a expelir sangue, pela boca. A sensação de sufocamento foi aumentando, pois, o sangue vinha do pulmão e sua saída colocava em conflito o sistema respiratório.

Já havia perdido muito sangue, estava entrando em estado de choque. Sentia-me gelado por dentro! “Via-me” na iminência de morrer! Estava correndo um altíssimo risco de uma parada cardiorrespiratória por causa do sufocamento.

Foi quando, num “lampejo” de consciência, em meio ao desespero no qual me encontrava, me lembrei de que a enfermaria ficava próxima ao “coro” da igreja. Rapidamente fui até lá. Já no “coro”, olhei para o altar da capela dedicada à Nossa Senhora da Assunção. Não rezei, não pedi nada, não raciocinava com clareza. Nem precisou! Minha fé, minha fidelidade a Deus “falou” mais alto! Imediatamente minha garganta foi desobstruída, parei de sangrar e minha respiração voltou ao normal.

Nisso, o Reitor, Pe. Delfino chegou e me levou até o Hospital de Doenças Tropicais. Lá fui atendido pelo Dr. José Cândido (in memoriam), na época um dos melhores pneumologistas do estado de Alagoas. Tive um atendimento excelente. Fui medicado corretamente e liberado para aguardar, no seminário, uma vaga para internamento e exames específicos.

Já bem mais calmo retornei.

No dia seguinte, logo cedo, o reitor foi notificado da vaga em aberto. Novamente ele me levou ao hospital, onde fui internado para exames e observação.

Durante oito dias, fiz vários exames e todos deram negativos. Porém na radiografia, deu uma pequena mancha no ápice esquerdo do pulmão. O Dr. José Cândido (in memoriam), que a partir desse dia tornou-se um grande amigo, disse que eu não me preocupasse, pois certamente ficaria bom. Falou-me que por alguns dias eu poderia expelir alguma secreção com sinais de sangue, mas não me preocupasse que, no meu caso, era normal. Também disse que a partir daquele dia, sempre que tirasse uma radiografia do pulmão, iria aparecer uma cicatriz, consequente do problema sofrido. Nem eu coloquei secreção nos dias seguintes, conforme disse o médico, nem ficou visível, após dois meses, a tal mancha dita por ele.

Dr José Cândido (in memoriam), me disse, pessoalmente, que nunca tinha visto uma questão assim. Como médico ele acreditava na ciência, e como cristão, acreditava no milagre.

De fato, a medicina é um dom de Deus a favor dos humanos. A fé natural é importante, mais ainda. A fé sobrenatural transcende a medicina e a fé natural, mas não dispensa nem uma nem outra.

No meu caso, pode até ter havido um ajuste natural, coincidindo esse ajuste do próprio corpo com a certeza de Deus que eu tinha ao fitar meus olhos para o Sacrário onde estava o Santíssimo Sacramento.

Uma vez que não precisei de nenhum procedimento especial. Apenas permaneci no hospital para exames de rotina e observação – tomando vitaminas e injeções para evitar sangramento, acredito que milagrosamente tenha escapado.

Foi aí que cheguei à conclusão de que, de fato, a diferença entre a coincidência e o milagre é a fé!

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