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Literatura

Por João Neto Félix Mendes - www.apensocomgrifo.com

Tempos passados quem trafegava na rodovia BR-316, no sentido Dois Riachos-Santana do Ipanema-Dois Riachos, testemunhava algo incomum.

O riachense José, pessoa com transtornos mentais, se incorporava de homem-carro, guiado por ele mesmo. Aquele era seu o território de brincar de gente grande. De veículo mesmo só tinha a direção improvisada de mangueira plástica, revestida de um tecido preto. Duas varetas de pau, amarradas no volante com sacolas plásticas rasgadas, complementavam os comandos do motorista; câmbio e o limpador de horizontes. O resto era a criatividade de uma mente obcecada que fazia dele um andarilho e maratonista obstinado.

Sua obsessão, impulsionada pela loucura era seu combustível e sua razão de viver. Diariamente, de pés descalços, com as duas mãos no volante guiava incansavelmente seu veículo imaginário, de sol a sol, solitariamente e com a experiência de anos de estrada. Sua educação era digna de exemplo: Rigorosamente na sua mão de trânsito, não incomodava ninguém, posicionando-se no acostamento para facilitar as ultrapassagens com segurança. Seu orgulho e realização era ouvir o buzinaço quando cruzava ou era acompanhado por automóveis em sinal de saudação.

Todo dia, infatigavelmente, associava-se ao sol inclemente na certeza de chegar antes do sol a pino lhe queimar os pés calejados que, não raro, sangrava, maltratados e rachados pela exaustão e esforço sobre-humano de marchar, correr e caminhar no asfalto negro, impiedoso e quente.

Rodou vários mundos nas voltas de sua direção estradeira atravessando horizontes e desertos. Acelerou os sonhos, rodopiou e deu cavalo de pau nas desilusões. Deslumbrou-se até estancar seu carro nas crises incontidas de alucinações para dar alívio à mente atribulada.

Certo dia, decidiu se arriscar, percorrendo novas estradas e, depois de vencer quilômetros a fio, indo e voltando por tantas horas a esmo com destino incerto, foi atropelado pela insanidade e insensatez de um homem raivoso e sem comiseração. Agonizou na sua mão, sem atrapalhar o trânsito, nem ninguém. À margem da vida e da via, o impacto jogou-o na valeta à mercê do tempo. Ninguém se compadeceu! Pelo contrário, ainda diziam:

- Era louco, não foi nada não!

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