Um dia de feira em Santana do Ipanema

Literatura

Por Maria Goretti Brandão

Para além da feira livre, como território de uso popular do experimento próprio de sociabilidade, está a magia que se constrói, viva, nos detalhes do cotidiano, em uma mescla de cenas que se movimentam. São imagens quase estáticas, que se conjugam as manifestações tradicionais e peculiares da cultura das gentes. Em Santana do Ipanema, cidade sertaneja das Alagoas, essa experiência quando vista, generalizada, incorpora-se ao registro comum do ir e vir e das relações estabelecidas, à compra e venda de produtos, apenas. Porém, nos espaços subliminares, onde os sentires estão à guisa da observação sutil, elas traduzem seu repertório, à maneira singela do viver da feira, onde estão expostas expressivas conotações poéticas, daquele universo das eventualidades, dos sons, das palavras e dos gestuais.

Os cenários modificam-se constantemente, permanecendo no cerne dessa movimentação, o registro de vivências, que se apresentam genuínas e espontâneas. São barracas, bancas, que dispostas lado a lado, criam a comprida passarela, onde desfilam seus frequentadores. Os feirantes com seus pregões, os compradores, o burburinho, os murmúrios dos carreiros, as frases soltas e anônimas, o sobe e desce ladeiras, e até o andar dessa gente, que parece reinterpretar-se em seu próprio e costumeiro papel. Visitam as mesmas barracas, falam aos mesmos feirantes dos quais são fregueses, compram praticamente as mesmas coisas. E encontram com frequência semanal, os amigos, seus compadres, comadres e afilhados.

Andar pela feira livre é como embarcar em uma aventura tardia, visto o surgimento de outros modos de expressões contemporâneas, que também afirmam a cultura e o sobreviver material. Visitá-la, porém, é festejar olhares sobre cenas que, múltiplas, se inauguram. Vê-se, por exemplo, claramente, que aquela mulher, carregando uma sacola de palha, neutraliza-se, abstraída, como se ali não estivesse. O que lhe passa à cabeça? Livre à atenção da dona, a sacola diverte-se, derrubando o que alcança sobre as bancas, e ela nem vê. O rapaz maltrapilho apropria-se da costumeira cara de triste, que como uma máscara, coloca-a sempre que pede coisas. Cheira a pinga tão cedo da manhã e quer dinheiro para comprar pastel. Quem acredita nele?

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