A FÁBULA DE NAPOLEÃO

Contos

Por Marcello Ricardo Almeida

Aquele ambiente murchava as pessoas. E elas ficavam irreconhecíveis.
Alguns narram ser o novo sonho do novo homem.
Era o reencontro de rara botija de desejáveis tesouros. Outros fabulavam ser a permissividade para além do bem e do mal.
Em razão da razão, que a própria desconhecia, a cada pôr do sol vinha ao palanque imaginário um novo-velho pronunciamento. Ele falava, estufava o tórax e as palavras navegavam em ondas numa escala musical onde bailavam notas em si bemol, como se diz, a meio tom abaixo de si.
Falava fá, ré, si bemol. Alterava-se no si bemol maior. O público em dó.
Ouviam-se as vozes que se aproximavam do palanque, no pátio. A cada crepúsculo, ele deixava o lugar e seguia corredores afora. 
Ele caminhava e, na proporção que avançava, unia-se a novos seguidores de sua caminhada. No percurso dos corredores apertados e sem luz, atrás dele apareciam de todos os quadrantes os fascinados com a sua presença.
Seguiam todos em silêncio.
Nenhuma voz lhe deixava fugir os pensamentos, as ideias, as palavras a serem ditas outra vez e outra vez e outra vez naquele final de tarde, no palanque imaginário sob a sombra das árvores, no mirante voltado ao Atlântico.
Repórteres de todas as partes surgiam, outros se encontravam no local. Ansiosos, todos ansiosos.
Ele vem!
Ele vem?
A reportagem disputava lugares aos beliscões e empurrões.
Ele vem...
Ele está vindo; vejo-o daqui.
As câmeras apontadas ao breu corredor. A qualquer instante apareceria o iluminado pelos últimos raios de sol.
Eu também o vejo.
A reportagem deixava a redação à caça de matérias. A profissão exigia criação e recriação alucinada de conteúdos narrativos; afinal, aferia o editor, uma vida sem pauta narrativa não vale a pena ser pauta vivida.
Como o passado é mutante, porque nunca é o que se "sabe" que foi, cada voz que se refere a ele demonstra possuir a luz e ilumina-o ao seu bel-prazer. Cada qual dá ao passado a voz que lhe interessa.
Vê-se o passado presente. Esbarra-se ao revisionismo histórico onde se narra à vontade.
Avessa o passado, vira-o de um lado, torna a virá-lo. Vira-o de outro. Muda de lugar. Distancia-se dele. Dele aproxima-se, desde que as tintas e as cores usadas lhe proporcionem a imaculada verdade e os interesses de quem cria e recria versões obtenha lucro para além do bem e do mal.
Cleobulina, que não mais trabalhava na escola primária da Rua Boa Vista, ali, não tirava as mãos da piaçava, no pátio. Parou. Admirada com o tipo textual usado no palanque sem pés nem cabeça.
Num canto de muro, Cleobulina e piaçava ouviam o som do silêncio, como se sonhasse com uma Santana que não existia mais. Ouvia:
Sábado de feira em Santana 
E se espera a cada semana 
Só pra chegar o dia da feira
Ó Cleobulina, ó Cleobulina 
Marcou encontro não veio 
Desde cedo lá na esquina 
E a luz atravessou o breu
Sábado de feira em Santana 
E se espera a cada semana 
Só pra chegar o dia da feira
E não há festa bela e rica
Ver o povo que vai à feira 
Vai passa diante da igreja 
Pedindo sorte a Santana 
Sábado de feira em Santana 
E se espera a cada semana 
Só pra chegar o dia da feira
Tomara Deus que seja eterno 
No comércio a feira começa 
Não saia a feira do comércio 
É onde tem banca Cleobulina
Sábado de feira em Santana 
E se espera a cada semana 
Só pra chegar o dia da feira
Ó Cleobulina, ó Cleobulina 
Marcou encontro não veio 
Desde cedo lá na esquina.
E a luz atravessou o breu. Não deixava Cleobulina a piaçava e o som de seu último trabalho:
Escutem! Nem 1, nem 2, nem 3 funcionam mais, gente do céu? Vou contar até três. Compreende? Quem foi Alexandre Magno? Compreende? Atenção! O que fez o Rei Odoacro ao Imperador Augústulo? Respirem. Observem. Vocês! Ó reparem a passagem de ar. Não há obstáculo ao ar que passa na boca ou nos orifícios do nariz. Quais as classificações das vogais? Repitam comigo. Orais, e anteriores, e nasais, e fechadas, e tônicas, e abertas, e médias, e posteriores. Um som fraco é o quê? Escutem, escutem. É uma semivogal. Compreende? Ó, quantos planetas tem o Sistema Solar? Espere sua vez, enxerido! Qual é o maior e qual é o menor planeta? O Rio Amazonas é o maior do mundo. Acaso, ele já nasceu grande? Ó, tire esse menino daí! O que ele faz aí? Sai daí, menino! Preciso falar durante quanto tempo? Não falo. Não entende o que falo. Mando sair agora, agorinha. Agorinha mesmo! Não vai ficar aqui com essa falta de urbanidade. Não irei permitir. Porque não tem, por que não tem urbanidade? Não aprendeu nada em casa. Por que não tem nenhuma urbanidade? Não aprendeu nada em casa? Não fale. Não, fale. Não, não fale, não. Quando deve falar, não fala. Responda. Compreende? E por que não para de falar? Silêncio! Sabe o que é hiato? Calado! Diga o que é ditongo. Silêncio! Onde se encontra um tritongo? Calado! Não se pode trabalhar. Deixe-me fazer meu trabalho. Silêncio! O que é um encontro vocálico? Calado! Você. Sim. Você mesmo. Compreende? Psiu! Você! O que é uma semivogal. Não sabe? Uma semivogal. Silêncio! Quando uma vogal e uma semivogal se encontram, o que é? Silêncio, silêncio! Silêncio. Silêncio... Na mesma sílaba se encontram uma semivogal e uma vogal, há um nome na gramática sobre esse fenômeno da língua, qual é? Ditongo, tritongo ou hiato. Compreende? Quando as vogais não se separam, como se diz? Silêncio! Silêncio, por favor. Silêncio! Uma vogal e uma semivogal são inseparáveis na sílaba. Isto tem um nome. A isso a gramática dá um nome, qual é? Silêncio! É tritongo? É hiato? Não. É ditongo. O que é ditongo? Silêncio, silêncio! O que é hiato? O que é um fenômeno linguístico? Caluda, caluda! E quando duas vogais se avizinham em sílabas diferentes? Silêncio! Sa-í-da é um fenômeno hiato, ditongo ou tritongo? Fale. Diga. Compreende? Como se separa a sílaba de sa-í-da? Caluda! Alguém já viu um tritongo? Diga. Responda. Viu? Silêncio! E quando uma semivogal, uma vogal e uma semivogal vivem na mesma sílaba? Caluda, caluda, caluda! Por que fala tanto, fala tanto por quê? Não admito. Não aqui, não neste ambiente. Saia agora. Saia! Pare de bater nele, pare. O que faz fora de seu lugar? Levante-se do chão, já! Seu lugar é aí ou é ali? Lá. Fique acolá. Já não falei que não pode falar! Não me interrompa. Compreende? A palavra está comigo. Compreende? Me respeite. Compreende? Não lhe autorizei a falar. Me respeite. Respeite-me! Silêncio. Silêncio, silêncio... Silêncio! Toda hora é isso, e todo dia, e por toda a semana. Compreende? Há quanto tempo! Não me diga que não fez nada, porque fez. Compreende? Não me desafie. Compreende? Não quero mais ouvir um pio. Compreende? Não admito nenhum cacacá. Parem com quiquiquis! Compreende? Não, não faça isso. Não falou nada, mas pensou. Compreende? Não me desafie. Compreende? Não entende o que eu falo. Por que está deitado no chão outra vez? Saia desse chão! Levante-se daí. Será que é tão difícil compreender que o ambiente no qual nos encontramos não permite esse tipo de comportamento? Não vai me obedecer. Não vai me obedecer? Não quero ir aí. Compreende? Por que não me entende? De novo, menino! Por que não me obedece. Onde estamos? Deixe o outro quieto. Compreende? Quantas vezes terei que falar? Deixe-o fazer o que está fazendo. Compreende? O que significa tudo isso? Não acredito. Não irei falar de novo. Compreende? Isso cansa. Está em pé de novo por quê? Saia de minha aula, saia. Hoje, quantas vezes mandei se sentar? Não fique mais aqui. Compreende? Fora! Vá incomodar o monsenhor. A disciplina em sala de aula é uma construção coletiva. Não que eu seja adepto de Comênio, mas Comênio carregava com ele uma palmatória. Compreende? Por pouco, não lhes aplico a Didática Magna. Não duvide. Não perturbe. Compreende? Amanhã, falava o professor com fôlego aos tropeços e a respiração com dificuldade, quando a palmatória for proibida, o aluno armado poderá ferir de morte um professor. O rosto, o rosto de vocês. Compreende? A voz, a voz de todos. Compreende? A voz impede-me de dormir. Compreende? Os rostos amedrontam-me. As mãos de vocês crescem nas sombras, as pernas alongam-se, o corpo de cada um se torna delgado, elástico, disforme, invade o quarto, a cama, ocupa as quatro paredes, as telhas, retalha-se nos caibros. Não consigo dormir. Noites a fio, não consigo dormir. Tudo me atormenta. Parem, por favor, parem de fazer barulho. Aperto as mãos sobre as orelhas, escondo-as sob o travesseiro. As vozes, as vozes em toda a parte. Compreende? Os corpos, os corpos que se alongam e não se quebram, que avançam sobre mim e entre mim e de vocês só vêm ameaças. Os rostos, os olhos, as bocas, a agressividade. Os olhos, principalmente os olhos, os olhos que me sufocam, não me deixam dormir. Os ruídos, os risonhos, os olhares. Compreende, compreende? Silêncio! Caluda, caluda, caluda! O que faz aí, parado, olha o quê? Vá sentar-se. Mandei. Mando. Mandarei. Não é dever do professor ensinar, é obrigação contratual. Este é meu trabalho, como é o trabalho de chofer, de pedreiro. Compreende? Respeite meu trabalho! Virtude, ó virtude, a virtude, onde está a virtude? Às favas com a virtude nesse carnaval, nessa orgia. Compreende?
O que é orgia, professor?
Bagunça! disse.
Bagunça é orgia? outro questiona.
Essa palavra se encontra no dicionário, professor?
Ouvi falar em Camaragibe! antecipou-se outro aluno à resposta.
O tempo em si não é só educar! disse o Papagaio narrador de Macunaíma entre as folhas do cacaueiro. Compreende? O fruto do cacau mudou a cor.
O Papagaio narrador de Macunaíma nunca soube o que dizer ao fruto do cacaueiro, e a sua cara ficou vermelha. Era chuva em dia de sol e mormaço. Não mais havia terra sob os pés e, sim, sob os braços.
O narrador Papagaio cavou, cavou, cavou e logo achou e escondeu uma botija. Mais tarde, o pedreiro Tatu procurava onde construir um abrigo; meteu a unha, cavou, encontrou a botija, ficou rico; limpou as unhas e os dentes ficaram brancos; nas orelhas, belos rubis, grossas correntes e colares em ouro 18k; saiu do chão e foi morar num arranha-céu. Voava o carpinteiro Carcará; lá no alto, viu o brilho do Tatu; com afiadas garras, desceu num voo rasante.
A abordagem pedagógica – compreende? –
Entrega os pontos – compreende? –
A formação, não demora, se deforma – compreende? –
A permanência do mesmo se satura
O prazer pula a janela
O saber sai pela porta – compreende? –
Bêbada de tantas teorias
Educação integral – compreende? –
A saúde mental bamba
Tropeça, cai não cai – compreende? –
Desiste da escola
Desiste dos estudos
Desiste do saber – compreende? –
A ciência não lhe cabe
Perde o interesse – compreende? –
O processo formativo balança
As pernas enfraquecem
Com a teoria pela teoria – compreende? –
As regras gramaticais dão nó
A matemática logo mia – compreende? –
O conhecimento navega o espaço numa casca de noz
Ri a rima da própria poesia
As aulas são repetições delas mesmas – compreende? –
Mês a mês, façam silêncio
Corre, pula cadeira – compreende? –
Esconde-se rapidamente sob a mesa. À noite, não consigo dormir. Ouço minha voz misturada às vezes às vozes de vocês. Compreende? Não durmo há semanas. Compreende? Nem à noite nem durante o dia. À noite, fecho os olhos e ouço bater na porta. Compreende? Levanto-me da cama. Procuro os sapatos onde enfio os pés cansados. Levanto sobre a cabeça o lampião. Compreende? Vou à porta. Arrasto os velhos sapatos. Abro os olhos. Estou deitado. Tudo em volta é escuro. Compreende? Vejo Tritongo abrir os braços sobre minha cabeça. Hiato puxa meus pés, quando estou deitado. Compreende? Ditongo fala palavrões por toda a casa. Compreende? Tritongo puxa minha cabeça, Hiato meus pés, Ditongo fala todo tipo de palavra fria, gelada, hirta. Compreende? Não consigo dormir. O sono me apavora. Silêncio! O que faz fora de seu lugar?
No palanque, que esperava os passos e os murmúrios saírem do túnel escuro, os repórteres estavam no nível máximo de ansiedade. E seguiam o líder figuras desenhadas às pressas, seres prontos a pularem na boca do abismo.
Abriu a voz Manda-Quem-Pode ao lado de seu assessor Obedece-Quem-Tem-Juízo.
O Sol vai rachar a Terra! disse Manda-Quem-Pode. Obedece-Quem-Tem-Juízo olhou sério em sua direção, e concordou com absoluta seriedade. A meia-lua que se formou atrás de Manda-Quem-Pode olhou em direção às câmeras. Luzes não paravam de brilhar o brilho intenso e azulado como se comunicassem os repórteres com o exótico diante das câmeras carentes de novidades.
Haverá trevas! disse. Haverá trevas! repetiu.
No aperto dos corpos:
O que foi que ele disse!
O que foi que ele disse?
Os repórteres com as câmeras sedentas à procura do brilho primordial.
Os primeiros sinais surgirão com os alimentos nas alturas.
O que foi que ele disse!
O que foi que ele disse?
Ninguém queria perder nenhuma daquelas banalidades.
A fome, o frio...
O que foi que ele disse!
O que foi que ele disse?
...e a sede irão lhes atormentar!
O que foi que ele...
O que foi?
O semicírculo, posicionado atrás de Manda-Quem-Pode, aprovava com a cabeça. Os repórteres faziam perguntas.
O que foi que ele disse!
O que foi que ele disse?
Calem a boca! disse, e insistiu no imperativo categórico.
Empedernidos, e sem enxergar além das pedras, os que seguiam Manda-Quem-Pode só queriam ouvir a própria voz. Na guerra de olhares, os seguidores avançavam, os repórteres recuavam.
Etcaterva, um dos que estava posicionado atrás de Manda-Quem-Pode, fez da mão concha e falou ao ouvido de Obedece-Quem-Tem-Juízo. Disse-lhe que riu um caudaloso e maldoso rio. 
Em bica, alguma coisa escorreu da boca de Manda-Quem-Pode.
Etcaterva afastou-se. Ficou na mesma posição dos outros.
Eles estavam à espera que o Sol caísse sobre a Terra e fosse cumprido os anúncios recentes e recorrentes de Manda-Quem-Pode.
Economia da Atenção ria alto, cutucava Manda-Quem-Pode, que também ria. Riam os repórteres à frente da meia-lua, ria a meia-lua. E o riso contaminava, e todos riam.
Escárnio cutucava Manda-Quem-Pode, que retornou ao pronunciamento. As pálpebras do crepúsculo, cansadas, ameaçavam cerrar os olhos; o sol havia sumido, e as trevas ocupavam o imaginário palco onde cada um se apresentava.
Manda-Quem-Pode vermelho durante os gritos e amarelo no período de silêncio. Os aplausos dos repórteres soavam como tambores, flautas, bumbos, címbalos, e eles dançavam.
O som ia às alturas. E todos dançavam e deliravam. E todos se tocavam, e sorriam, e gargalhavam.
Manda-Quem-Pode ia de um lado a outro com o corpo numa combinação desengonçada. E todos se tocavam, e sorriam, e gargalhavam.
Outra noite se foi e, outra vez, retornou o dia sob a luz de profunda tristeza.
Bom dia! disse.
Bom dia! respondeu.
Bom dia! repetiu.
Bom dia! exasperou-se.
Bom dia! refez o cumprimento de maneira agressiva.
Bom dia! retribuiu a agressividade.
Bom dia! pronunciou com os dentes cerrados.
Bom dia! aproximou-se com o sangue nos olhos.
Bom dia! e demonstrou revidar a violência expressa no bom dia.
Bom dia! agiu de maneira brusca; recuou; voltou a dizer bom dia.
Bom dia! estufou o tórax, foi em cima e bateu violentamente com o ombro no ombro de quem lhe disse bom dia.
De longe, a sertaneja Cleobulina e aquela piaçava descabelada assistiam a tudo com a satisfação de estar sob a lona de um circo de sua infância. Gritos e agressões não escandalizavam como costumavam escandalizar.
Ria Cleobulina, como ria dos palhaços a correrem uns dos outros, no circo com Pragmática, a sua amiga de infância. Ali, a agressividade era um novo modo de vida; assim, eles ganhavam dinheiro.
Os palhaços, nos circos daquela época, ganhavam a vida com palavras e atos que desviavam a atenção da plateia. Cleobulina estava presa àquela época, e uma lágrima correu em seu rosto.
Cleobulina planejava voltar a Santana. Desistir definitivamente, com o seu advérbio de modo, de Maceió. A cidade longe do sertão modifica o sentido de seu verbo. Rendia-se a essa classe gramatical tão ameaçadora.
Em Maceió, o dia a dia de seu advérbio era repleto de dúvidas. Ora talvez, ora porventura. Se não fosse eventualmente, vinha a ela casualmente. Um quiçá às vezes, às vezes provavelmente.
O advérbio de Cleobulina não apenas modifica o verbo. Muda infelizmente a si próprio ou a um adjetivo, e mesmo a uma de suas frases.
Na capital alagoana, Cleobulina não encontrou a sua amiga de infância. Apesar de explorar os bairros da cidade a pé, não a encontrou.
Voltar a Santana, e fazer o quê? Pedir um teto a Bé, meu irmão. Isto não faço.
Tudo parecia tão estranho ultimamente. Um papagaio metido com botijas, um tatu cheio de joias, carcará sanguinolento não se diferenciava das quebradas na caatinga onde cangaceiro casava e batizava. A Santana não volto. Fico aqui em Maceió.
Esmeralda quer que eu volte à piaçava da escola primária do monsenhor. Ela ficou lá. Não fiquei. Mesmo aqui tão ruim quanto lá. Não volto.
Aqui, adoradores de acendedores de lampiões lhes rendem homenagens. Vivem com saudades de acendedores de lampiões. Fazem discursos a eles.
O pátio, naquela casa verde, extenso feito a vida. Cleobulina não largava a piaçava. A sua conjunção era varrer as folhas secas, ligar os termos, fazer as orações se ligarem, os parágrafos longos entre os internos. Havia lógica naquilo?
Como o advérbio, as conjunções de Cleobulina eram invariáveis. Mesmo gênero, mesma pessoa, mesmo número. Era a função da conjunção, a natureza dela, que se classificava coordenativa ou subordinativa. Mas, disse, fazer o quê!
Às vezes, a caminho do trabalho, Cleobulina era surpreendida com oração dependente, logo emendava esta a outra subordinada àquela. À proporção que os seus pés avançavam nas ruas de chão batido, escuras e poeirentas, via duas ou mais palavras – ainda que – ostentarem a classe de conjunção.
O seu irmão, Cel. Bé do Algodão, estava bem de vida. Ela nunca devia ter deixado Santana. Saiu. Andava arrependida pelos cantos.
Tinha cabimento, Cleobulina, uma mulher de sua fibra andar arrependida pelos cantos! Tomasse tino. Aprumasse o rumo em giro da venta. Você foi isso e aquilo, fosse aquilo outro também.
O também dela boiava entre o advérbio e a conjunção. Que conjunção era essa, Cleobulina! Ouvia a voz que se lhe grudava à época da escola primária na Rua Boa Vista. Coordenativa aditiva, Cleobulina! E o que era uma conjunção? A conjunção era a sua condição em Maceió naqueles dias longos de frio e chuva que se aproximavam da Semana Santa.

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