O VENDEDOR DE CAVACO CHINÊS

Crônicas

Por Remi Bastos

Ainda me recordo a época em que meus pais moravam na antiga Rua dos Machados, atualmente, Pedro Américo, em Santana do Ipanema, estado de Alagoas. Até então, éramos  seis filhos, tendo o mais velho pouco mais de sete anos de idade. Vivíamos amparados pelas asas do carinho de nossos pais, onde tudo girava em torno dos seus consentimentos. Da nossa casa, ao entardecer, ouvíamos o repicar dos sinos da matriz anunciando a hora do Angelus. A cidade ainda dividida pelos bairros São Pedro, Camoxinga e Monumento cedia à atenção daquele momento tão puro e santo, enquanto, a “Voz do Município” sobre a apresentação de Darras Noya, dava uma conotação ao flagrante angelical, através dos alto-falantes distribuídos nos quadrantes da cidade. Todas as tardes, o silêncio da nossa rua era quebrado pelo trin-lin-lin do vendedor de cavaco chinês. Lá em casa a agitação era geral, todos queriam saborear aquela deliciosa guloseima. Geralmente, o vendedor de cavaco chinês era quase sempre um adolescente que percorria as ruas da cidade transportando nas costas um cilindro de zinco com uma tampa rasa, afunilada na sua parte superior, onde no seu interior eram acondicionados os cavacos. Em suas mãos levava um triângulo de ferro e uma alça ou bastão, também de ferro, de onde extraía o som através das batidas intermitentes, que executava, alertando a sua clientela, os meninos da rua. O cavaco chinês, apesar do nome, teria a sua origem na Índia. A sua composição consiste de farinha de trigo e açúcar.

Atualmente a tradição pelo comércio desta guloseima tão simplória, está cada vez mais distante no tempo, enfraquecendo o desejo festivo da criançada. O vendedor de cavaco chinês deixou de ser uma alegria para se tornar uma lembrança afável para aqueles que viveram o tempo da calça curta e da boneca de pano. O trin-lin-lin do triângulo continuará ecoando pelas ruas dos nossos pensamentos num convite especial à gurizada. E sempre que eu ouvir o seu tinido lembrarei saudosamente da rua onde iniciei os meus primeiros passos, vendo todas as tardes o vendedor de cavaco chinês passar tocando o seu instrumento.

Crônica publicada no livro Lembranças Guardadas (SWA Instituto, 2022 p.175-176)

Comentários