Vivemos numa era em que a verdade se fragmentou, tornou-se relativa, moldada por percepções individuais, carregando, portanto, um caráter intimamente particular. Dentro dessa lógica, o homem contemporâneo se afasta da definição clássica de verdade, sendo “a conformidade do pensamento com seu objeto; a adequação entre o conhecimento e o real”, para abraçar um território de conjecturas.
Dessa forma, não causa espanto, em nossa cultura, afirmar que não existe uma verdade absoluta, mas "verdades" pluralizadas, dispersas por cada olhar subjetivo. Contudo, em meio ao subjetivismo que permeia uma sociedade desarticulada, onde o ser humano se encontra simultaneamente vulnerável e volúvel, não podemos baixar a guarda, ainda que a noção de realidade pareça flutuar no mar do relativismo.
Fundamentada na Filosofia, a Verdade, com V maiúsculo, é aquilo que é e jamais deixa de ser. Para Aristóteles, o grande filósofo grego, “a Verdade é a manifestação da própria realidade, e que, portanto, é universal”, indubitavelmente perene. Ela não pode se dobrar aos caprichos de uma lógica insensata ou às conveniências daqueles que glorificam o que é vil, especialmente numa sociedade que celebra a cultura do descartável, onde a esqualidez moral e espiritual parece prevalecer. Em uma sociedade líquida, a Verdade não é prevalecente.
Na história, vemos este dilema brilhar com nitidez. Quando Jesus foi interrogado por Pilatos, ele lhe perguntou: “Qui veritas est?”, ou seja, “o que é a Verdade?”. A resposta mais bela e profunda a essa questão surgiu na Idade Média, com os monges cistercienses, que, ao inverterem as letras, descobriram: “Est Vir qui adest”, que significa: “A Verdade é o Homem diante de quem estás”. Em outras palavras, Cristo é, de fato, a Verdade absoluta. Diante Dele, o ser humano confronta a sua própria falsidade: a verdade do homem é, paradoxalmente, a sua falta de verdade, isto é, “A verdade do homem está na sua insistência em querer derrubar a Verdade.”
Somente Ele, como Verdade suprema, pode revelar ao homem o seu verdadeiro mistério. Perante Ele, a única atitude possível é a do salmista: “Na Tua luz contemplamos a luz” (Sl 35,10). Assim, diante da Tua Verdade, reconheço a minha verdade, e o que sou torna-se claro: “Eu sou o que sou”. Na confiança em Cristo, jamais seremos confundidos.
Jesus é Aquele em quem “somos, nos movemos e existimos”. Precisamos redescobri-Lo como o Bem Eterno, aquele que expõe a fragilidade dos falsos ídolos, "os porta-bandeiras de um carnaval de mitos, revelando que todos eles são consumidos pela traça que corrói e pela ferrugem que incinera".
Finalmente, devemos nos perguntar: qual é o lugar que damos a Ele em nossas vidas? E mais do que isso, qual é o espaço que Ele ocupa numa sociedade agonizante, cujo tecido social necrosa a cada passo que dá em direção ao esquecimento e à negação dos Seus ensinamentos? No juízo prestaremos contas, que a moeda da nossa verdade possua a caricatura da Verdade com V maiúsculo, símbolo de Deus e de Sua justiça, e não a com V minúsculo, caricatura de César, de Pilatos, dos falsos ídolos, da sociedade líquida, de algo tão efêmero como o vento que passa.
Comentários