Diante dos dados recolhidos sobre a influência do teatro em nossa terra, vou procurar desenvolver minhas considerações a respeito do assunto, levando em conta uma pequena participação por mim vivenciada no contexto, como também pelas buscas alcançadas através de revelações colocadas ao meu dispor, por pessoas por mim contatadas. Na minha concepção houve várias alternâncias temporais, na memória da arte dramática ao longo da nossa história. Sabedor de que não irei esgotar o assunto – pela forma sintetizada com que vou abordá-lo – tentarei dar o maior realismo possível, dentro das minhas ponderações. Com certeza outros pesquisadores poderão promover uma dimensão mais consistente, ao tema sob comento.
Através de registros fotográficos e pesquisas realizadas consegui apurar que, na década de 50, foi criado o Teatro de Amadores Augusto Almeida, que tinha como principais componentes Aderval Tenório, Albertina Agra (esta considerada a diva do teatro santanense), Ana Agra, Cristália Queiroz, Darras Noya, Fernando Nepomuceno Filho, Geraldo Monteiro, Lourdes Santana, Maria do Carmo Nepomuceno, entre outros. Segundo consta, essa fase pode ser considerada uma das mais áureas do nosso teatro, com apresentações memoráveis, inclusive no Teatro Deodoro, na capital do estado.
Depois de algum tempo de quietude surgiu, nos idos dos anos setenta, uma plêiade de jovens, capitaneada pelos irmãos jornalista e dramaturgo Marcelo Ricardo Almeida e professor Moshe Ricardo Almeida, que fizeram ressurgir um novo e vitorioso movimento, denominado Teatro Feijão Com Arroz, apresentando uma linguagem rejuvenescida com relação ao método de representar. Dados robustos foram colocados ao meu alcance sobre esse período, que poderão ser comentados de forma exclusiva em outra oportunidade.
Entretanto a minha intenção, neste instante, é reportar-me a um determinado período da vida cultural de Santana. No ano de 1961 houve uma investida, sobre a qual posso delinear com mais propriedade, por ter tido um envolvimento direto, na qualidade de participante. Na época chegou a nossa terra um funcionário público estadual, que se tornou conhecido como Geraldo do Fisco, dotado de profundo conhecimento do campo artístico-cultural. Tão logo ele se familiarizou com a sociedade santanense, procurou desenvolver, entre nós, a adoção da arte de representar, vocação que dominava com considerável aptidão. Ele recrutou jovens estudantes de então, com o intuito de encenar uma peça teatral denominada “Zumbi dos Palmares”. O grupo foi composto por este escriba, Paschoal Oliveira, Cícero Cabral, Narciso Alécio, Geraldo Valério, Marco Aurélio Silva Melo, Gileno Carvalho, Antônio Vilela e Zé Antônio Constantino. O tema abordava a manifestação representada pela República dos Palmares, em Alagoas, na luta pela liberdade escravagista defendida pelo líder negro, Zumbi Ganga Zumba, revoltado com a escravidão dos negros, imposta pelos senhores feudais, que obrigavam os escravos a trabalhar de sol a sol, num regime desumano e cruel.
O pessoal escolhido para a encenação da peça encarou o desafio com entusiasmo e responsabilidade. Não havia recursos tecnológicos, no entanto a equipe não mediu esforços paradecorar os textos com presteza, por conta da exigência “militar” determinada pelo diretor. Depois de incansáveis ensaios, o grupo foi considerado apto para levar avante a realização do espetáculo.
Houve duas apresentações em Santana, com uma frequência digna de registro. O público aplaudiu de pé, efusivamente. Devido ao sucesso alcançado, foi estabelecido um convite para uma apresentação na cidade de Olho D’Água das Flores, cujo êxito foi repetido. Por conta dos resultados positivos obtidos, entendimentos foram mantidos para exibições em Viçosa, Penedo e União do Palmares. Nesta cidade aconteceria a apresentação mais esperada, por ter sido no município – precisamente na Serra da Barriga – onde foi protagonizado o maior movimento, liderado pelo chefe Zumbi Ganga Zumba, em prol da erradicação da escravatura em Alagoas.
Todos os “atores” desenvolveram suas funções de forma irrepreensível, nada obstante o primitivismo e o amadorismo de cada participante. O ponto alto, que vale a pena destacar, foi o desempenho do integrante Marcos Aurélio Silva Melo que representou, com impressionante destaque, o papel do chefe Zumbi Ganga Zumba, principalmente pela perfeita assimilação da grande extensão do texto da obra, pertinente ao papel por ele desempenhado.
Infelizmente, quando por ocasião da apresentação em Olho D’Água das Flores, houve um episódio lastimável, que desagradou sobremaneira os idealizadores – fato que não vale a pena comentar – que fez “cair por terra” uma empreitada vitoriosa, muito importante na história cultural de Santana do Ipanema.
Para registrar esse acontecimento, tão importante para cultura de nossa terra à época, transcrevo, a seguir, a composição integral da peça “Zumbi dos Palmares”, de autoria do Cônego Teófanes de Barros, trazida para todos nós santanenses pelo principal idealizador do espetáculo, Geraldo (fiscal de rendas), para quem manifesto minha profunda admiração por seu espírito pioneiro e por sua comprovada abnegação, pela arte de representar.
Recife, maio/2017
Crônica publicada no livro NOSSA HISTÓRIA TEM QUE SER CONTADA (SWA Instituto, 2021 p.147-151)
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