No bar do bairro de infância, entre o barulho das conversas e o tilintar dos copos, ele desabafava como quem já não tivesse otimismo sobre a humanidade. "Tão carinhosa com nossos filhos", repetia, como se isso pudesse, de alguma forma, corrigir o que havia acontecido. Seus olhos brilhavam, mas não era emoção; era de incredulidade e de raiva. Como podia alguém tão próxima, tão "de casa", ter a audácia de fazer o que fez? Pela meiguice que tratava as crianças, achávamos que ela seria incapaz de furtar sequer um mísero alfinete.
Os primeiros sinais foram sutis, mas constantes e graduais. Um objeto sumia aqui, outro ali, depois outro aculá. Nada que levantasse suspeitas imediatas. E de repente, em meio aos afazeres: “Onde está o triciclo elétrico?", sua digníssima mulher lhe perguntou. Logo depois, as malas de viagem. As três malas recem compradas com tanto sacrifício e suor. Malas boas e caras. A escada, o celular em desuso e em liquidação, o perfume, a sandália, a bota, o vinho, até as roupas das crianças. "Será que foi ela?", começavam a suspeitar. Afinal, os objetos não saem andando pela porta da frente sozinhos. E quando a mangueira de 50 metros encolheu, ambos agiram. Não é possível. Nem a mangueira de aguar as pobrezinhas das plantas escapou?
Olhando para trás, parecia óbvio. Não se tratava só de pequenos furtos, mas de algo mais profundo, uma espécie de traição à confiança depositada nela. A mulher que cuidava do lar e dos filhos com tanta ternura, aquela que falava com a voz doce de quem sabe acalmar, estava transformando sua casa em um verdadeiro mercado persa. E mais que isso, tinha uma rede organizada de receptadores. Eram três ou quatro, todos ávidos receptores. Enquanto ele e a esposa se esforçavam para dar uma vida melhor aos herdeiros, ela capitalizava sobre a boa-fé e o suor alheio. A oração não falta. A polícia confirmou: os objetos eram levados diretamente pelos clientes, que já sabiam o que pegar e onde. “Quanta audácia! Quanta audácia!”
"Eu só queria entender", ele balbuciava, quase sem voz, enquanto o garçom recolhia a garrafa quase vazia e nos trazia outra. "Como ela pôde fazer isso com nossos filhos? Tão carinhosa..." Talvez, no fundo, ele já soubesse a resposta. O jeitinho brasileiro estava tão entranhado na sociedade que até aqueles que pareciam ser os mais inocentes podiam se revelar mestres na arte de tirar vantagem. Enquanto o exemplo de cima persistisse, as mangueiras continuariam a ser cortadas, as malas extraídas e a confiança sepultada. Para quebrar o gelo, lhe perguntei: pelo menos ela não vota no Lula!? Eu bem que podia ter ficado calado!
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