O GALO DA TIA UDA

Crônicas

Por Remi Bastos

Foto: acervo do autor

Segundo dia de carnaval de 1995, depois de quase dois dias de folia biritando aqui e ali, na segunda-feira, por volta das 18 horas decidimos, por unanimidade fazer uma visita com sabor de cerveja, a tia Uda.
Éramos seis : Eu (Remi), Gilson (Bode), Nóia, Joninhas, Edvan, e Lata D’água. Fomos bem recebidos pela nossa anfitriã que logo nos brindou com uma sopa feita a capricho, pois estava sabendo que o seu sobrinho, Joninhas, encontrava-se em Santana e preparou aquele prato exclusivamente para ele.
A sopa foi servida, a turma um tanto faminta não deixou nada, nem mesmo para o Joninhas, seu sobrinho querido. Tia Uda, na satisfação em nos receber, sentou-se à mesa com a gente, enquanto a cerveja era servida repetidamente. De repente, Joninhas convida a tia Uda a doar uma galinha, já que possuía algumas no quintal, a proposta foi aceita. Eu (Remi) e Gilson (Bode) fomos encarregados de capturar uma penosa para o sacrifício em homenagem ao Rei Momo. Entramos no quintal e, lá no fundo estavam os galináceos hospedados nos galhos grossos de um velho imbuzeiro. Com a nossa aproximação, os bichos se assustaram e ouvia-se muito bem o barulho emitido por um galo bastante adulto, demonstrando ser a autoridade maior naquele pedaço. Já passava das 19h30, fizemos um silêncio para que as penosas se acalmassem e facilitassem a nossa caçada imperdoável.
De repente o silêncio foi quebrado pelo cantar estridente do galo de estimação da tia Uda, o “Bitovinho”, como era chamado, que encerra o seu canto sexy com algumas batidas das asas sobre o seu corpo. Continuamos imóveis sob o imbuzeiro, até que os animais se acalmaram. Eu falei para Bode: “Vou pegar o “Bitovinho”, ao que respondeu: “Ta doido, logo o galo!” “Não se preocupe, a operação está sob controle” falei assim. Instantes depois, peguei o “Bitovinho” pelo pescoço e dei um giro de trezentos e sessenta graus sobre sua cabeça, naquelas alturas “Bitovinho” já era. “E agora, que vamos fazer?” Perguntou Gilson. Respondi: “Pegue o seu carro e vá para o outro lado da rua, estacione em frente ao portão.” Bode saiu, passou sem que a turma o visse e foi para o local combinado. De repente Bode ouviu aquela pancada no teto do seu carro, parecia que um pedaço do céu tinha desabado; era o “Bitovinho” que havia sido arremessado por mim. Pulei o muro e fomos providenciar o preparo do galo sem que a tia Uda percebesse o crime. Depois de tudo pronto, retornei a turma, pelo quintal, pulei o muro, enquanto Bode foi pela frente para avisar que a mercadoria já estava sendo preparada.
Tomamos mais algumas cervejas e, minutos depois, fomos ao local antes combinado, para saborear o penoso e cantor das madrugas udanas, era um galo plageador e não pagava direitos autorais.
No dia seguinte, quando a tia Uda não ouviu o seu seresteiro de todas as manhãs acordá-la com seu canto matinal, ficou desconfiada, se dirigiu ao quintal e logo notou a ausência do “Bitovinho”. Entrou em pranto, condenou a todos nós pela tragédia, “meu Deus por que deixou acontecer uma coisa dessas com o meu galo?” Eu não mereço isso, era o único cantor ativo do bairro. Ai, meu Deus! Aquele canto acompanhado do bater das asas numa verdadeira sinfonia ritmada, era como se fosse a minha canção de Ninar. Ah! Quanta saudade eu sinto do meu “Bitovinho!”.
Dias depois, quando a tia Uda soube que foi um de nós que tinha matado o seu galo, ficou uma fera! “Não recebo mais esses sem-vergonha em minha casa”. Um ano depois a tia Uda já não se lembrava mais do “Bitovinho” e a paz voltou a reinar.

Aracaju-SE,12/12/2004

Crônica publicada no livro “A SOMBRA DO UMBUZEIRO”, Organização Portal Maltanet, Gráfica Epitaciana 2006, Pg. 179.

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