DEPOIMENTO

Crônicas

Por Luiz Antônio de Farias, Capiá

Tive uma infância humilde, mas bastante feliz. Guardo boas recordações de então, inclusive dos momentos tristes que, graças a Deus, foram muito poucos Tais experiências serviram
de embasamento para a construção da minha personalidade. Uma tristeza que carrego desde a mais tenra idade, que perdura até os dias de hoje – e veja que estou chegando aos setenta anos – é com o fenômeno da seca em nossa região. Todos nós sabemos que Alagoas é um estado com uma situação geográfica privilegiada, no que tange aos recursos hídricos, e este suplício poderia ser erradicado definitivamente se houvesse vontade política nesse sentido.

A região oeste do território alagoano, onde fica incrustado o semiárido, é totalmente banhada pelo rio São Francisco. Entretanto quem atravanca a solução reclamada é a qualidade de nossos representantes, formada por políticos incompetentes, desonestos e inescrupulosos (salvas raríssimas exceções, e cada qual que coloque a carapuça na cabeça), aos quais confiamos nossos votos, sempre com a esperança de que nossos anseios sejam atendidos. “Entra ano e sai ano e nada vem e o sertão continua ao Deus dará”, enfatiza Gilberto Gil. “Venderei até a última joia da coroa, mas solucionarei o problema da seca”, teria dito D. Pedro II quando visitou Piranhas, nos idos de 1850.

Um capítulo à parte é a admiração que nutro, desde criança, pela expressão maior de nossa música, Luiz Gonzaga. Sua amizade pessoal com o Prefeito Adeildo Nepomuceno Marques, levava o artista a visitar Santana, com frequência. Suas músicas, denunciando o flagelo da seca, ficaram introjetadas em minha memória: “seu “dotô” uma esmola para um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão” (Vozes da Seca/1953). “Asa branca bateu asa e voou do meu sertão; por falta d’água perdi meu gado, morreu de sede meu alazão” (primeira versão de Asa Branca/1947). “No nordeste imenso quando o sol calcina a terra, não se vê uma folha verde na baixa ou na serra; e o sol vai queimando brejo, sertão, cariri, agreste; ai ai meu Deus tenha pena do nordeste”(Aquarela Nordestina/1958).

Em novembro de 2007 tive a oportunidade de percorrer o Rio São Francisco, de barco, no percurso de Piranhas até a foz, cerca de 210 quilômetros rio abaixo. A expedição, em defesa
da preservação do nosso “rio da unidade nacional”, foi organizada por Marcelo Souto, então Prefeito de Jacaré dos Homens. Durante todo trajeto não saía da minha mente ver todo aquele volume d’água ser lançado ao mar, representando um desperdício incalculável. Na minha forma modesta de raciocinar, entendo que depois de alimentar a hidrelétrica de Xingó – última usina do sistema CHESF – a água rolada daí em diante torna-se subutilizada, pra não dizer gasta inutilmente. Se fossem feitas dezenas de adutoras, ao longo da trajetória do rio, principalmente na área abrangida pelo semiárido, com certeza poria fim às agruras produzidas pelas estiagens e aos reclamos do sofrido povo sertanejo. Por extensão acabaria, de forma definitiva, com a indústria da seca, que remonta dos tempos mais remotos de que se tem conhecimento.

Recife, junho/2013

Crônica extraída do livro “NOSSA HISTÓRIA TEM QUE SER CONTADA” (SWA Instituto 2021, pg. 29-30)

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