TRAGA O CEPO JACINTO

Crônicas

Por Luiz Antônio de Farias, capiá

Dona Hermínia Rocha, pertencente à tradicional família do Coronel Manoel Rodrigues da Rocha, contraiu núpcias com o sargento Antides, militar de uma Companhia de Policiamento, então instalada em nossa terra para combater a sanha do capitão Virgulino Ferreira, o Lampião. Da união matrimonial resultou o nascimento dos filhos Agissé, Poni, Bebé e Labibe.

Conta-se que, na época, houve um confronto entre um bando de ciganos – que se encontrava instalado nos arredores de nossa cidade – contra a volante comandada pelo referido sargento. Foi uma batalha sangrenta, acarretando grandes baixas no grupo dos nômades. Em consequência, diz a história, que houve um rogo de praga, por parte dos ciganos, que atingiu três filhos do casal – Agissé, Poni e Bebé, os quais foram acometidos de distúrbios mentais, ficando a salvo da maldade cigana apenas Labibe, a filha mais velha.

Histórias sobre a família focalizada foram contadas por vários escritores santanenses. Primeiramente foi Oscar Silva (“Praga de Cigano” e “As Pinhas do Coronel”), em seu livro Fruta de Palma. Posteriormente Djalma de Melo Carvalho, José Peixoto Noya e Remi Bastos também fizeram trabalhos literários sobre o mesmo assunto. Até este escrevinhador arriscou discorrer, sobre o tema, no meu livro “Saudade, Meu Remédio É Contar”, com o titulo “Dona Hermínia, Um Exemplo de Vida”.

Existiu por estas paragens, até passado recente, um cidadão de descendência indígena, – principal personagem desta narrativa – cuja origem sempre aguçou minha curiosidade. Recentemente estive em Santana com o empresário/escritor Bartolomeu Barros quando obtive alguns esclarecimentos sobre a chegada do nativo em nossa terra. O sargento Antides, angustiado com a maldição que afetou os filhos, foi orientado a se deslocar até o estado do Amazonas onde existia, segundo o aconselhador, uma tribo de índios cujo pajé dispunha de poderes sobrenaturais para neutralizar a mandinga proferida pelo chefe dos ciganos. Com certeza não houve êxito na missão, pois os rebentos jamais tiveram qualquer mudança no comportamento psiquiátrico.

Apesar da frustrada viagem o sargento trouxe, de tribo amazonense, um curumim que veio a ser denominado de Jacinto. O propósito da adoção, pelo pai aflito, era arranjar uma companhia saudável para os filhos psicopatas, para tentar melhorar o dia a dia das crianças. Mais uma tentativa frustrada porque o indiozinho, não suportando conviver no atribulado ambiente, abandonou a família, passando a viver perambulando pela cidade, procurando abrigo nas casas que o acolhiam. Não consegui informações sobre quem o adotou de forma definitiva, porque quando este narrador veio conhecer “seu” Jacinto ele trabalhava como motorista da Rural Willys do escritor Major Darcy Araújo Melo, da Força Expedicionária Brasileira-FEB. Havia casado com dona Carminha a qual, além de comadre de nossos inesquecíveis pais, prestava serviços de apoio em nossa casa.

Vem, a seguir, a parte hilariante da história. Dona Carminha e Dona Aristhea, tiveram uma prole numerosa. Nossa mãe doze filhos e Dona Carminha dezoito, salvo o engano. Em uma determinada oportunidade escutei um dialogo entre as duas. Disse dona Carminha: - comadre Aristhea, eu não entendo essas mulheres de hoje. Pensam que gravidez é doença e acham que parir é “coisa do outro mundo”. Eu já estou tão acostumada a “dar cria” que cuido dos afazeres até a hora permitida por Deus. Quando percebo que chegou o momento, me deito na cama de “papo pra cima” e grito: - traz o cepo Jacinto! Ele imediatamente coloca a escora de madeira na “popa” da minha bunda e o moleque pula pra fora soltando o maior berreiro.

Um viva para essas bravas e anônimas mulheres guerreiras. Salve a terra de Senhora Santana. Orgulho-me de nosso torrão natal pela vastidão de sua cultura, que proporciona a todos nós, amantes da literatura, o prazer de rabiscar as coisas que povoam nosso imaginário.

Praia de Peroba – Maragogi-Al, fevereiro/2016

Crônica extraída do livro “NOSSA HISTÓRIA TEM QUE SER CONTADA” (SWA Instituto 2021, pg. 101-103)

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