O “Panema“ expandia suas águas agitando o riachinho Jacaré no ponto de sua desembocadura, ali na boca da Floresta; a Ponte do Padre servia de mirante para onde o santanense convergia, a fim de presenciar aquele cenário que,certamente, ficaria arquivado em sua memória. Era mais uma cheia do velho Rio Ipanema, prestigiado no trecho que limitava a barragem ao povoado Maniçoba. A sua valentia se manifestava na fúria de suas águas barrentas, arrastando impiedosamente tudo que adormecia às suas margens. Os dias iam passando, o verde brotava nos campos e nas serras do Cruzeiro e da Micro-ondas, enquanto o “Panema” lentamente se encolhia, deixando o seu leito cristalino. O Poço do Juá e o Poço dos Homens se transformavam em lagos de águas correntes, onde o banho e a pesca aguçavam a meninada nas manhãs de domingo. A cidade ainda usava a fralda do progresso, suas ruas, nos pontos de expansão, eram barradas pelos cercados de catingueira, velame e marmeleiro, nos extensos terrenos de Zé Elias, Abílio Pereira e Antônio Vicente. Era daí que extraíamos as varas de marmeleiro para exercitarmos a prática da pesca nas águas do meu rio. O marmeleiro, um arbusto, comumente encontrado no sertão nordestino, sobretudo, em áreas desmatadas destinadas a futuras construções residenciais ou atividades agropecuárias. Muitas vezes, juntamente com o amigo Benedito Soares, matávamos as aulas na “Escolinha de Dona Flora”, para desafiarmos a inocência das piabas no Poço dos Homens.
Geralmente adquiríamos os anzóis nas tordas (barracas) da feira livre ou na vidraçaria de Gileno Carvalho, nas proximidades do Mercado de Carne, caminho da Matança (Matadouro). Por diversas vezes, em nossos intentos, encontrávamos com o soldado aposentado Fon Fon, costumeiramente, com o seu chapéu de “caubói”, um lenço vermelho atrelado ao pescoço e um revólver 38 Taurus cano longo à cintura. A sua presença, à distância, era facilitada pelo seu jeito de andar, puxava da perna esquerda, consequência de um tiroteio com bandidos na época do cangaço. Havia momentos em que nos intimidávamos ao vermos aquela figura na cena cotidiana de sua simplicidade, com suas passadas lentas, e que nos fazia lembrar os filmes de “faroeste” projetados na tela do Cine Glória.
Saudosos marmeleiros que sempre nos serviam com suas varas retas e compridas, permitindo-nos um alcance maior aos locais onde passeavam os cardumes de piabas.
Quantas lembranças eu guardo daqueles tempos, das cheias do “Panema” e do canto de suas águas, do mirante da Ponte do Padre, do soldado Fon Fon, dos banhos e das piabas que pescávamos com as varas do marmeleiro.
Aracaju, 02/11/2013.
Crônica extraída do livro LEMBRANÇAS GUARDADAS - SWA Instituto 2022 - Pg 37/38
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