Herói ou Bandido: A intrigante Figura do cangaceiro Lampião

Crônicas

Por Eduardo Carvalho Cavalcante

Foto do site https://mundoeducacao.uol.com.br/historiadobrasil/lampiao.htm

Recentemente, ao assistir à série "Entre Irmãs" na plataforma de streaming Netflix, uma adaptação do filme brasileiro de 2017 baseado no romance "A Costureira e o Cangaceiro" de Frances de Pontes Peebles, algo me fez refletir sobre como o cangaceiro Lampião sempre foi retratado, navegando sempre entre a linha tênue que separa um herói de um bandido.

A série narra a história de duas irmãs, Luzia e Emília (interpretadas por Nanda Costa e Marjorie Estiano, respectivamente), que vivem no Sertão de Pernambuco na década de 1930 e são separadas após um evento trágico: uma vai para a capital, Recife, e a outra se junta a um grupo de cangaceiros, liderado pelo cangaceiro Carcará (interpretado por Júlio Machado), ator alagoano da cidade de Arapiraca.

A história retratada na série nos faz refletir sobre a figura de Lampião, uma das figuras mais polêmicas e debatidas na história do Brasil. Nascido em 1898, no Sertão de Pernambuco, Virgulino Ferreira da Silva, conhecido como Lampião, tornou-se o mais notório cangaceiro da história brasileira.
Lampião cresceu em um ambiente marcado pela pobreza e pelas dificuldades da vida rural no Sertão Nordestino, uma região historicamente negligenciada pelos governantes da época. Sua trajetória no cangaço começou provavelmente por volta de 1920, motivada inicialmente por uma questão de vingança pessoal contra os assassinos de seu pai. Esse contexto de vingança pessoal é crucial para entender a complexidade de suas motivações iniciais.

Para as autoridades e para as classes mais abastadas, Lampião foi visto como um criminoso impiedoso e um anarquista que não respeitava a ordem pública. Seus métodos incluíam saques, sequestros e confrontos violentos com a polícia, chamada pelos cangaceiros de 'macacos'. Tais atos o categorizavam como um bandido temido, um fora da lei que perturbava a paz e a estabilidade da região. De fato, suas ações muitas vezes resultavam em prejuízos para os poderosos e para os coronéis que dominavam o Sertão Nordestino.

Por outro lado, Lampião foi também admirado e até reverenciado por muitos dos sertanejos. Para essas pessoas humildes, ele era visto como um Robin Hood brasileiro, alguém que lutava contra a desigualdade social e a opressão dos coronéis. Era conhecido por ajudar os mais pobres, distribuindo parte dos recursos obtidos em suas investidas contra os ricos. Essa visão é reforçada pelos relatos de que Lampião tinha um código de honra próprio, o qual incluía punições para aqueles que cometiam injustiças contra os inocentes.

Além disso, Lampião tinha grande devoção e religiosidade católica, especialmente por Santa Luzia e São Jorge. Ele também venerava o Padre Cícero, por quem tinha grande respeito e admiração. Os cangaceiros realizavam rituais religiosos, com orações, rezas e superstições, buscando sempre proteção divina e orientação espiritual em meio às adversidades do cangaço, acreditando que tais práticas tinham o poder de protegê-los dos tiros disparados pelas volantes.

Compreender o papel do cangaceiro Lampião requer mais do que simplesmente julgar entre o bem ou o mal, entre o certo ou o errado, entre a lei ou a desordem; exige uma análise do contexto social e econômico do Nordeste naquela época. A realidade do cangaço é um reflexo das desigualdades e das dificuldades enfrentadas pela sofrida e humilde população sertaneja.

Voltando para a séria "Entre Irmãs", a história do personagem Carcará tem uma forte semelhança com a do famoso cangaceiro Lampião. Assim como Lampião, Carcará lidera um grupo de cangaceiros, impondo sua presença com uso da força e do medo no Sertão. Sua figura é carregada de mistério e poder, refletindo o universo impiedoso do cangaço no Nordeste brasileiro.

Lampião personificou a resistência e a brutalidade, refletindo o retrato da sociedade em que estava inserido. O caso de Lampião é um exemplo clássico de como a história pode ser narrada e interpretada de várias maneiras, dependendo da conveniência e do interesse de quem a conta.

Portanto, chamá-lo apenas de bandido ou herói não captura totalmente a essência de sua complexidade. Ele foi, sem dúvida, um produto de seu tempo — um tempo de luta, de injustiça e de busca por algum tipo de justiça, mesmo que por meios questionáveis.

Afinal, Lampião é um herói ou um bandido?


Maceió/AL, 21 de abril de 2024.

Eduardo Carvalho Cavalcante

Comentários